segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Ao Brinde.

Era minhas últimas vinte e quatro horas no litoral e eu me embriagava em uma daquelas festas quentes e insanas da hospedaria. Naquele ponto eu já me relacionava muito bem com todos e flertava uma morena linda que somente aparecera naquela noite. Ela tinha pose de mulher vivida e já conhecia todos ali presentes. Sob efeitos de álcool e THC, me apresentei de prontidão. Ela era nativa do paraíso e falava com um sotaque que eu poderia ouvir a noite inteira, e de fato, o ouvi. Havia achado um novo vício instantâneo. Era o verão do amor como costumavam a dizer durante os brindes da casa, apesar de que eu gostaria de chamá-lo de verão da paixão de um dia. Começamos a nos entender desde a primeira palavra dita, depois disso, foram indas e vindas ao banheiro, onde passávamos quase o resto da madrugada como adolescentes, nos escondendo de tudo e de todos no sossego atrás das portas do sanitário feminino. O sol começava a nascer e uma de nós tinha que trabalhar, e não era eu. Nos despedimos como se não fossemos nos ver nunca mais. Mas o dia ainda era longo e eu partiria só no fim da noite. Após um cochilo para recuperar da embriaguez, voltei à praia e por lá permaneci até o pôr do sol, quando voltava para a hospedaria com o pesar da partida. Até hoje não me acostumei com esses momentos, por mais comuns que fossem na minha vida. Faltava três horas para eu partir e lá estava ela, me pegando pelo braço e me levando até a casa dela, em mais uma daquelas fugidinhas adolescentes. E durante essas ultimas horas nos despedimos mais uma vez, dessa vez com a certeza de que não nos veríamos mais tão cedo. E lá se foram as vinte e quatro horas mais rápidas do meu verão naquele ano. E mais uma vez eu estava em direção à cidade, e cada vez meu corpo voltava com mais pesar.

Um Paraíso e um Jazz.

Todos os acontecimentos que vinham se dando em minha vida me levavam mais uma vez à estrada, dessa vez em direção ao litoral. Eu já sabia que depois de todo caos vinha a calmaria e eu seguia rumo a ela. Os ventos sopravam em minha nuca e me diziam para não olhar para trás. Não demorou muito para que eu chegasse ao meu destino e a sentir uma paz que acalentava a alma, acendia o primeiro cigarro do dia e percebia todos aquelas decepções desaparecerem com a maré. Eu já fazia piadas e me entretinha com os faróis das balsas que se cruzavam entre as ilhas. Andava mais um pouco e chegava à uma hospedaria onde haviam pessoas de todos os tipos que me recebiam com cannabis e doses de whisky; sim, eu colecionava paraísos. Era a primeira noite e eu já sentia que seria muito difícil ir embora daquele lugar. Mas meu tempo era curto e sabia que tinha que aproveitar tudo ao máximo, então passava o dia inteiro meditando nas praias, até certa hora, quando decidia comprar uma dose de qualquer coisa e decretar o começo da noite. Funcionava muito bem. Na hospedaria havia festas intermináveis, onde todos se juntavam para ouvir um jazz e para compartilhar histórias do mundo, era um intercâmbio de conhecimentos profanos. E sentia que a cada dia que passava eu me re-conhecia também; a arte da fuga não era tão ruim assim.

Uma História de Goya.

Quando eu parava para pensar no tempo, eu me lembrava da velha imagem de Chronos devorando seu próprio filho; tempo como criador, tempo como aniquilador, tempo subjetivo, tempo arte. Eu passava por uma fase da minha vida onde precisava reavaliavar conceitos, pois havia deixado a auto-estima de lado. Era tempo de perdas e ganhos. O meu circulo social antes tão sólido, ia caindo em ruínas, haviam os pedaços que poderiam ser colados de volta, mas a maioria estava desperdiçado. Desperdício de tempo. Eu sempre senti que precisava de coisas mais reais do que elas realmente eram, os personagens do conto de fadas se rebelavam, enfim. Nem tudo era tão bonito quanto nas histórias, por trás de toda máscara ainda havia a persona. E por trás dessa persona eu buscava o caráter, e nem sempre o achei. Tempo de perdas, era fácil abrir mão desses. Era como o desapego segundo o budismo; desapegar de um para que se possa abrir possibilidades para um outro. A perda para o ganho. E assim o fui fazendo, aos poucos, de consciência limpa. Era tempo de comprar uma tinta branca e cobrir toda aquela parede que colecionava nomes, até mesmo aqueles que não queriam apagar. Os que eu quisesse guardar, estariam comigo em qualquer tempo e não somente em uma coleção. O tempo não é reciproco, é o mais temido de todos predadores, inverso edipiano.