quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Rua das Dez-ilusões.

Eu já passava a maioria dos meus dias sentada no velho sofá azul da sala, transbordado de restos de cinzas e um peculiar cheiro de vodca podre. Pelo apartamento só restava o vazio, aquelas paredes que me rodeavam pareciam gritar por atenção, mas eu não queira antendê-las. Eu podia sentir seus passos pela casa, mas já não podia sentíl-la mais, ela se fora. Ás vezes eu me levantava e dava uma volta pela rua das ilusões, era para lá que eu ia quando precisava de alguma coisa momentânea para acreditar, anjos, demônios, humanos. Mas acabava voltando ao velho sofá e não pensava, apenas me perdia em últimas gotas de whisky. Ouvia mais uma vez os passos, ela passava por mim, invisível, e tudo acelerava. Em pouco tempo seriamos meras desconhecidas em busca da redenção. Mas eu ainda podia sentir o coração dela acelerar em sintonia, é, mais uma volta pela rua das ilusões, eu poderia passar mais tempo por lá. Até o momento eu não saberia dizer a sintonia certa, éramos uma combinação intensa de auto-destruição e (im)pulsões, meu passa-tempo favorito. Eu me ocupava com devaneios e anfetaminas, apenas não conseguia esperar a hora certa em que tudo ia voltar a acelerar, se voltasse. Pela rua das ilusões, eu procurava o que havia restado, quando achava, corria para casa para poder guardá-lo, e guardei, e restou, mas ela já não mais se importava. Consuma até que não reste nada.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Sen (ter) tido.

Hoje eu me machuquei mais uma vez, eu queria ver se eu ainda conseguia sentir. Procurava sentido em tudo que nunca fez, nunca precisou. O que entorpece, não saciava. Mais uma dose de Dylan, por favor. Meu império de caos sucumbia a meus pensamentos humanos, pensamentos de santos e demônios. São pensamentos quebrados que já não podiam ser consertados. De repente, eu começava a questionar meu universo de dúvidas e incertezas. Mais uma picada, por favor. A dor torna tudo mais real. Todo sintoma de ilusão é alimento para uma nova viagem, e eu me perguntava se seria aquela a minha ilusão ou minha viagem. Mas sempre preferi acreditar que era meu real. Acendia um cigarro atrás do outro e fitava a garrafa de whisky vazia, queria naquele momento largar tudo e recomeçar, talvez, em um outro inferno, mas a fuga não mudaria o que eu não sentia. Mais uns tragos de sentido, por favor.

domingo, 20 de setembro de 2009

Círculo de fogo.

- Mostre-me o caminho do bar mais próximo - foram as primeiras palavras dela ao acordar do meu lado, em um desses dias que o Sol ainda espreitava nas cinzas do céu.
Eu já não precisava de mais nada, ela apenas suspirava no meu ouvido, e eu já não queria mais sair daquela cama. Só por mais aquele momento, só por mais aquele eterno. Ela vivia me confundindo com certezas e incertezas que incendiavam. Como eu já estava cansada de saber, o maior defeito humano é fantasiar demais, e eu apenas me deixava levar pelo real, ela era real. Eu podia sentí-la sem fazer nenhum esforço. E aquele quarto abafado que transbordava alcool e nicotina, já parecia o melhor lugar do mundo. Acendiámos um cigarro de filtro vermelho e dávamos um gole na garrafa de whisky vazia, era a maldita força do hábito. E sem que percebessemos, estávamos alí de novo. Cura as abstinências, cura as ilusões. Ela era do tipo que atraia o caos, e conseguia se enrolar mais do que eu, eis aí a vantagem de brincar com fogo. Menina, suspire aqui comigo só por mais essa noite.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Mel.

Os primeiros raios de luz do Sol impactavam com os ultimos raios na cocaína e lá estava eu mais uma vez, nos velhos clichês de sempre. E o vício da rotina já me cansava. Eu me sentava em alguma calçada que contemplava o que restou do fim de uma noite, quando chegaram algumas pessoas, também contampladas por aquela calçada, suja e sacana, como tudo que é bom. Sentaram-se, e entre conversas tortas, alguma coisa se endireitou. É clichê dizer que havia uma menina que encantava, mas encantou, mais do que a maioria das outras. E em um diálogo repleto de destinos que disfarçavam as coincidências, já tinhámos feito planos para dias próximos, e sem que percebessemos, aquelas mesmas coicidências pareciam estar virando destino. Destilados, fermentados e lisérgicos conduziam nossos seguintes dias, seguiu-se, se nas insanidades estamos, nas insanidades continuaremos. Clichê. Mas ela tinha um olhar que acelerava, nada clichê, ela era o impacto que eu tanto tentara evitar. Não evitei, foi como um furacão. E em poucos dias, eu só conseguia pensar na deliciosa combinação de destilados, acelerantes e ela, que já acelerava. E mesmo que o dia acabasse, eu voltaria atrás se ela me pedisse, e por apenas aquela noite, eu ficaria mais um tempo. Menina vou te guardar comigo.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Leste.

Os faróis apontavam para o amanhecer e foi pelas sombras daquelas ruas que nos reencontramos. A minha canção materializada preferida, bárbara. Ela carregava um livro, debaixo dos braços, que falava sobre prostitutas e drogas, quanto a mim, eu carregava minha eterna garrafa de whisky barato. Estávamos na esquina certa, estávamos na intensidade certa. Eu já nem me importava mais com as depressões que as mudanças traziam. Ela sorria e vinha andando em minha direção, ela tinha uma fala mole, culpe as marihuanas escondidas em seu bolso. Trocamos algumas palavras, eu precisava ter certeza de que ela se lembrara de mim. As ironias começavam a aparecer. Nunca fui de ficar procurando pessoas, mas com ela, eu precisava, ela já me tinha feito cair em apenas algumas poucas horas. Ela não me dava muitas certezas, mas que se dane! A dúvida é apaixonante. Ela se mantinha a uma distância casual, casualidades costumavam a me cansar, mas não dessa vez. E eu começava a ter a impressão de que eu já a conhecia melhor do que ela fingia. Andamos a passos que se arrastavam até as escadarias do meu prédio, sentamos e eu ainda tentava enteder aqueles velhos casos sem finais, em vão. Após alguns goles no whisky, eu a fitei como se fosse a nossa última vez alí, ela como se estivesse lendo meus pensamentos, misturou um trago com um gole, e me disse:
- Querer não é poder, meu bem. - levantou-se, despediu-se com um beijo bem perto dos meus lábios e foi em direção ao nascer do Sol.
Bom, a vantagem de brincar com fogo, é que aprende-se a não se queimar. Eu tinha certeza que ainda a veria de novo por essas esquinas certas.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Edifício São Jorge.

Antes de toda tempestade vem uma calmaria e eu podia senti-la chegando. Por algumas semanas passei da abstinência para a loucura, da loucura para a sanidade e da sanidade, de volta ao caos. Lá estava eu de novo, sentada na escadaria daquele prédio tombado, fumando um cigarro e arranhando alguns acordes no violão, foi quando ela chegou. Ela vestia roupas de verão e vinha sorrindo em direção a mim, pediu uma canção, sentou-se e acendeu um daqueles cigarros de palha que cheiravam a fim de festa, ela era como uma canção de fim de festa, aquela que você não quer deixar para trás. Ensaiamos uma conversa que não vingou, ela tinha problemas para contar um caso inteiro, eu não havia conseguido acompanhar nenhum até aquele ponto. Foi quando ela me ofereçeu um resto de marihuana que ela carregava para todos os cantos, eu que nunca fui muito fã de desacelerantes, desacelerei. Fumamos e nos afogamos em risos, há muito eu não sentia aquela sensação. A convidei para subir e ela negou, nada sutil. A essa altura eu já estava muito além de interessada. Ela prometeu uma próxima vez, mas eu conhecia aqueles tipos de promessas, sempre costumava a fazê-las. Ela despediu de mim, deixando aquele gosto de esperança, e eu que nunca tive esperança de nada, sucumbi. Subi aquela escadaria com um sorriso estampado no rosto. Me servi uma dose de tequilla, sentei no sofá surrado da sala e esperei. Dois dias depois, lá estava ela na escadaria, após o fim de uma festa, começaremos outra, com a mesma canção.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Fluoxetina.

Fluoxetina para a alma, fluoxetina para a dor. Um sorriso dopado pode mudar todo um dia. As cartelas se esvaziavam com o passar das horas, eu me esvaziava com o passar dos segundos. Eu procurava conforto nas fortes doses de whisky com lágrimas. Eu procurava pedaços, restos, que já não mais restavam. Já era tarde demais para ficar bem e ainda era muito cedo para voltar para casa. E eu aproveitava cada segundo, antes que tudo virasse uma tragédia. Era questão de tempo, e eu tentava retardá-lo o máximo que eu pudesse, mas era inevitável, tudo mudava e eu ficava para trás. Fluoxetina para parar o tempo, fluoxetina para aguentar. Um sorriso dopado pode enganar. Eu não queria ser aquela que teria que preencher o silêncio, me assustava, pois ele me dizia a verdade. E aquelas velhas conversas iam e vinham na minha cabeça, assim como os fortes tragos no filtro vermelho. Elas me diziam que era o fim. As notas do meu violão desafinavam e eu precisava curar aquela abstinência que me preenchia. Fluoxetina para minhas abstinências dela, fluoxetina para me enganar.

domingo, 7 de junho de 2009

Metonímia.

Eu andava nas alturas, e o tempo passava por nós sem que o percebessemos. As coisas matérias já não faziam parte do meu dia-a-dia, meu único chão era ela. Sempre gostei muito de metáforas, elas tiravam a estupidez das palavras literais, nunca gostei de palavras literais. Foi, quando em uma daquelas noites, onde eu nunca devia ter colocado os pés para fora de casa que tudo desabou, eufemismo, explodiu. Era, mais uma vez, aquelas malditas drogas sintéticas que me confundiam, me ludibriavam e riam de mim. Mas dessa vez, ela não estava lá, não em alma, apenas fisicamente.
- Você é uma mulher de caráter duvidoso - ela me disse.
E entre socos e arranhões, eu me perdi pela última vez. Ela se perdeu de mim. E todo meu brilho se foi, consegue vê-los em meus olhos? Não mais. Entre fortes tragos de cigarro que chegavam a sufocar, eu sentava nos cantos mais vazios da casa, eu vazia. Eu chegava a beber com tanta intensidade que desmaiava até o dia seguinte, para recomeçar tudo de novo. Nunca fui de mentir, nunca fui enganar, mas de alguma forma aconteceu, e eu não podia fazer nada, não era eu. Eu, que nunca fui de acreditar em muitas coisas, rezei, não sei para quem, já que estávamos no inferno, não pareceu ter dado muito certo. Mas ela me fez acreditar no real. Sentávamos no sofá azul surrado da sala, e ela me falava sobre trepadas e tpm, enquanto me perguntava o porque de não estarmos tendo uma trepa de reconciliação naquele momento, não dessa vez. E lembrava de todos aqueles idiotas caretas me falando o quanto eu estava me destruindo, me destrui, me desconstitui, e não sabia como catar aqueles pedaços, talvez seria melhor deixá-los por lá, fariam menos danos. Dos piores, o pior. Eu me rendo. O futuro é incerto, e o fim está sempre perto.

Só por essa noite, eu afundaria aqui por você;

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Des (a) fio.

Em um piscar de olhos, o verão já ia se esvaindo em gotas de chuvas que caíam nas primeiras flores a desabrochar na primavera. Aquele inferno começava a se pintar com a cor dos espinhos e dos lírios, que chegavam a machucar e êxtasiar, ao mesmo tempo. Eu, ainda me via perdida naquele mesmo crepusculo vicioso de sempre, destilados, entorpecentes e mulheres, na verdade em uma mulher, aquela que sempre me fazia perder em meu próprio jogo, desafiadora. Havia quem duvidasse que fora apenas ela por todo aquele tempo, eu duvidava, mas sabia que era. Havia também aqueles que duvidassem que fora apenas eu por todo aquele tempo, eu duvidava, eu sabia que não. Ela, por si só, já era minha dose diária de anfetamina, adrenalina e dúvidas. Não era recíproco, nunca foi. Costumávamos a estar juntas quase todo o nosso tempo de sobriedade e insanidades, mas nem sempre estávamos em sintonia, ficavámos em vão, sucetíveis a novos nomes. A carne é fraca, mas não a minha, não dessa vez. Não é recíproco, nunca foi. As partes mais difíceis são coisas já conversadas, as tentativas mais tolas são aquelas já tentadas. Atentou. Talvez essa seja a hora para ficarmos bem. Em uma dessas minhas ressacas matinais, me percebi sentada no sofá, olhando para todos aqueles recados nas paredes, e me perguntando se valia a pena abrir mão de todas aquelas outras que nunca saberei os nomes. Abrirei. Procurei por um bom tempo um espaço decente em uma daquelas paredes pecaminosa, e para ela rabisquei palavras tolas que diziam:

"eu te desafio a me amar."