quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Recalque.

Eram noites quentes de verão e andávamos de mão entrelaçadas que procuravam por coincidências. Sentávamos nas calçadas, fumávamos dois ou três cigarros e dávamos quatro ou cinco goles no whisky disfarçado. Seguir ou prosseguir? Desfaz-se os laços. Se ela não sente eu também não posso sentir. Era uma bipolaridade de singuralidades, se contradiz. (Pro)Seguiámos por tão longe que acabávamos sempre nos perdendo. Recomeçe, entrelaçe outra vez. Passávamos horas sentadas no sofá vagando e divagando em busca de uma compreensão, que não existia e nunca iria existir, não em nossas mentes. O simples ato de tentar compreender essas coisas me entediava. Entre silêncio e delírios nos encontrávamos mais uma vez. Eu me amarrava nesses momentos, eles nunca haveriam de ser os mesmos. Ela não era do tipo que gostava dessas repetições. Então congela-se os bons. Se ela não sente eu também não vou sentir. Por esses longos caminhos, ela marcava os passos, regulava os batimentos. Reforça-se os laços com um nó. Se ela não se prende eu também não posso me prender. Entrelaçe.


Fica.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Marca-Passo.

Este não é um conto de amor, mas faz o coração bater mais rápido, fez. É só deixar em paz que será esquecido, mas toda paz vem do caos. E todo o caos vinha de mim. Ela era uma das minhas drogas preferidas, daquele tipo que me consumia, se consumia, e no dia seguinte dava vontade de mais. Tomava controle. Descontrola. E todas as noites, por apenas aquela noite, eu poderia me deitar naquele mesmo lugar por ela. Era através de suspiros desafinados que nos encontrávamos no auge da loucura, e na manhã seguinte nos perguntávamos o porquê. Naquele ponto, a angústia. Do que tinha restado, catávamos pedaços de nada. Um nada que nos unia, culpe nosso nilismo recíproco. Dos vícios, o melhor. Eu conhecia seus pecados e eu gostava, ela tinha asas. Faz o coração bater mais rápido, fez. Das anfetaminas, a melhor. Consuma até que não reste nada.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Platônico.

Alguém mais lúcido do que eu, do que nós todos, havia dito que estávamos em uma quinta-feira de março. Se era verdade ou não, ninguém soube dizer. Dih estava dando um festa para comemorar minha volta, tudo alí era motivo de celebrações, até a pior das desgraças. Eu poderia até acreditar que o fizeram quando parti. Havia tantas caras novas naquela casa que eu me perguntava por quanto tempo havia ficado fora. Doses de whisky e metadona mantiveram minha misantropia, reduzida em um canto vazio. Ao esvair da madrugada pude notar que havia vários casais, talvez a maioria até. Ou talvez eu apenas já estivesse tendo visões duplas e embaçadas, nunca se sabe. Havia uma menina em particular, particular. Eu saberia dizer que não havia outra dela, e que ela desembaçava. Ela não era como as outras pessoas dalí, na verdade, nem ao menos parecia pertencer a esses cantos, pelo menos não em meu canto. Ela parecia uma princesa, que poderia passar horas em frente ao espelho, ela espelhava nos vidros da cocaína. Conversava com gírias de muleques, interagia com todos, sorria sinceramente para todos, bebia por todos. E só tinha olhos para uma, não uma qualquer. Mas não era eu. A fitei por horas, sem esperar que ela interegisse, sorrise ou bebesse por mim. Eu só queria um olhar, aquele. E, naquele momento, eu só conseguia pensar nisso, em intervalos entre tragos e goles, me entorpecia apenas de olhá-la. Dih parecia vir de minuto em minuto, em tentativas fracassadas, me tirar daquele canto e me apresentar a alguns novos nomes para minhas paredes, mas por algum motivo não consegui sair dalí. A distância era um voyerismo. E eu esperava pelo (des)prazer daquele olhar.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Por Enquanto.

Eu havia perdia a noção dos dias, das horas e dos nossos próprios passos. Tentávamos achar o caminho de casa, sem ao menos saber aonde estávamos. Latência. Precisávamos de mais algumas doses para conseguir voltar a pensar. Entramos em um pub cintilante, irônicamente em uma esquina escura e sinistra, extasiava. A primeira dose descia tão aveludada que chegava a fazer desenhos dentro de nossos corpos sedentos e abstinentes. Confortava. Havia uma loira vistosa sentada no balcão, que me encarava com avareza ou talvez encarasse minhas doses transbordantes que desapareciam em um piscar de olhos. Eu trocava tragos entre olhares. Nunca gostei muito de loiras, mas sempre acabava com uma. Era aquele velho ciclo vicioso de novo. Confortava. Entre momentos em flashes, eu acordei no dia seguinte ao lado dela. Eu já imaginava que isso iria acontecer, sempre acontecia. E mais uma vez, eu estava perdida em algum lugar daquela cidade que eu não lembrava. Perdida nas minhas memórias, ou na falta delas. Mas na verdade, eu nunca havia me achado por completo. Eu tentei sair sem que ela percebesse, e para não perder o costume das minhas rotinas, nunca o conseguia com sucesso. Minhas ressacas pareciam terem se acumulado e minha cabeça se tornara uma bomba-relógio. Ela se preocupou. Não me preocupo, não me culpo. Com alguns pontos de referências vagos, ela conseguiu me levar para casa. Ela sim parecia conhecer aquele inferno. Em segundos planos, eu havia me achado, descanse em paz.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Blues das Estradas.

Por dias seguidos nos entorpecemos com garrafas e mais garrafas daquela tequila vinda direto da terra da perdição, nos perdemos. Passávamos nossos restos de noite em casas de desconhecidos, que naquele ponto de nível alcoolico, haviam se tornados, por algumas horas, melhores companias. E eu, mais uma vez, nunca conseguia lembrar seus nomes quando acordava. Nos levantávamos, e num dinamismo incrível, tentávamos sair sem que ninguém nos notasse, sempre notavam. Andar sem cambalear era muito difícil. Inventávamos desculpas tolas para sair às pressas, crer era para poucos. E sem que percebessemos nosso dia já recomeçava embalado por canções do The Doors tocados em acordes desolados. Nunca voltávamos aos mesmos lugares, a idéia de ver aquelas mesmas pessoas era assustadora. Eu não conseguiria descrever a complexidade de cada um de nossos instantes alí, e eu começava a precisar das minhas paredes. Nossas fontes de insanidades foram de desvaindo e se perdendo em nossas mentes. Tentávamos contar os dias em tentativas fracassadas, mentes que mentem. Naquele ponto pensar se tornara um luxo para poucos, e nos guiávamos pelo cheiro de alcool etílico, nicotina, cocaina e desespero. Estávamos indo de volta para casa.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Hablas Español?

Segunda-feira e os ares haviam mudado, os ventos sopravam para uma direção oposta, era um novo começo de semana, um novo começo. Entre pausas para tragos de cigarro e goles de whisky, eu já havia andado alguns bons kilometros sem qualquer direção, e finalmente parecia estar chegando em algum lugar, os fluxos aumentavam gradativamente e ensurdecedoramente: carros, pessoas, angústias. Era o centro do inferno. Sentei em um ponto de ônibus, para mais umas daquelas pausas que repunham a nicotina e esquentavam a alma. O garoto sentado do meu lado parecia estar fazendo a mesma coisa, e foi logo esboçando uma conversa. Ele estava mais bêbado do que eu, e era apenas duas horas da tarde de uma segunda-feira, foi aí que me simpatizei com ele. Caio Graco, heterônimo de um certo político romano que defendia as classes populares e enfrentava a facção conservadora, irônico, pois ele realmente era um comunista que vinha do México, apenas com uma bolsa cheia de garrafas de tequila e com alguns trocados nos bolsos rasgados. Ele também não sabia para onde estava indo, naquele ponto a minha simpatia havia se transformado em gosto. Ele tinha traços finos que realçavam um rosto juvenil e um corpo de homem, e ele era o mais viril que eu já havia conhecido. Graco, como passei a chamá-lo, não me abordou para uma conversa com intenções sexuais, aposto que ele estava muito bêbado para conseguir pensar nisso. Foi naquele instante que eu quis a compania dele, juntamos minha jornada e a dele, e criamos um novo universo de coisas. Vamos caminhar a noite inteira e falar um pouco de merda, tudo vai nos levar ao mesmo lugar, mas, enquanto isso, aprendemos a aproveitar enquanto o tempo não nos ultrapassa. Tudo passa.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Paralelos.

Domingo em fim de noite, eu contava cada segundo da minha última noite de trabalho antes de tirar minhas tão aclamadas férias, enfim um intervalo para a viciante rotina. A banda que alí tocava me devia mais uma última música, os amplificadores estavam mais sonoros e beijos nos bastidores enalteciam meus últimos momentos de redenção alí. Ao colocar meus dois pés para fora daquele lugar pude respirar fundo, a ponto de sentir o peso dos meus pulmões, estranho alívio. Eu estava em terra de zumbis, e ás duas horas da manhã, as ruas transbordavam de amarguras e arrependimentos. Eu caminhava e enquanto isso traçava um paralelo entre aquela cidade e minhas mãos, que pareciam não envelhecer nunca. Entre elas havia um mundo de coisas, e todas essas coisas no meu mundo me faziam pensar em ir embora. Porém, ir embora era a pior coisa que eu parecia poder fazer, essas coisas ainda valiam a pena. Eu precisava de novos ares, novas experiências, novos lugares para depositar minhas alucinações, rotinas me cansavam. Tentei caminhar para casa, mas acabei me perdendo entre bebidas e mulheres, mais uma vez. As páginas do meu diário continuavam vazias enquanto os nomes nas minhas paredes já não cabiam em si. Acordei no dia seguinte, mais uma vez ao lado de uma morena que eu parecia nem reconhecer, elas sempre pareciam muito. Juntei meus trocados do que restara do meu último pagamento, coloquei a guitarra nas costas e peguei a garrafa de whisky barato em cima da mesa. Eu precisava conhecer o outro lado do inferno.


Jullie,
não esqueça de pagar as contas do mês,
estou tirando férias, trarei presentes.
Mantenha nossas paredes cheias,
tragos de whisky e goles de cigarros,
Lorena.
17/02/1988

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Manhã Seguinte.

São raros aqueles momentos de sobriedade e eu, naquele ponto, tentava aproveitá-los ao máximo. Eu vivia entorpecida de anfetaminas, dopaminas, fluoxicetinas e todos os outros tipos de derivados que se podia imaginar. E foi aproveitando dos meus minutos de sobriedade, que me flagrei pensando em um descanso, para meu corpo, minha mente e meu tédio. Sentada no sofá, acendi um cigarro e pensei em sexo durante minutos que pareciam horas, o que para mim já era algo novo, pois antes eu não conseguia pensá-lo, apenas vivenciá-lo. Ao fim da divagação conclui que abstinência sexual não é para mim, decanso para a alma, não para o corpo. Acendia mais um cigarro, divagava e tragava fervorosamente. Eu gostava de sexo alucinante, precisava dos meus lisérgicos. Conclui que abstinência de adições antes, durante ou depois do sexo não era para mim. Descanso para o tédio, não para a mente. Acendia um outro cigarro, eu nunca fui de lembrar nomes e traços, acabei me desapegando de detalhes, lembrar era sempre a parte mais difícil. Resolvi que precisaria ainda das minhas garrafas de whisky temperadas com dopaminas, garantia a amnésia no dia seguinte. Por fim era tudo um ciclo vicioso, descanso quando eu morrer. Sexo mata.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Jogo de palavras.

Era mais uma daquelas noites de sexta feira e eu ardia e suava atrás do balcão do bar. Aquela noite era uma das mais frias que eu já havia experienciado, maldito inverno que congelava até as entranhas. Todos estava vestidos e revestidos com casacos de couro falsos, fazendo a pinta de rockstar, ilusões que esquentam a mente e disfarçam o frio. Nem mesmo as groupies que sempre andavam atrás dos roqueiros falídos conseguiram colocar aquela velha mini-saia provocante. Ninguém provocava. As doses de tequila evaporavam como água no deserto. No barril restava apenas mais algumas doses e os olhares sedentos por algum tipo de desvio para a alma, me fitavam. Mas eu fitava a canditada a primeira da fila. Era uma morena alta, com curvas inacreditáveis, cabelos longos e uma boca que hipnotizava. Me hipnotizou. Sim, ela era linda. Mas não foi só isso que me chamou atenção, eu já tinha muitas mulheres lindas nas minhas paredes, ela, de fato, poderia ser mais uma. Fixei meu olhar nela, por ela ser a única que não refletia aquela noite sóbria e gélida. Ela usava roupas cintilantes e estampava um sorriso no rosto, era uma das últimas que ainda conseguia sorrir. Ela parecia não saber o que estava fazendo alí, mas eu também nunca soube. Puxei uma conversa inocente, sem me preocupar com a crescente fila que se formava atrás dela. Ela, para meu alívio e economia de palavras, era do tipo falante. Uma boa falante. Para minha surpresa, aquela morena compartilhava do mesmo nome do que eu. Talvez fosse a única coisa que tinhámos em comum, era como olhar para um espelho e ver meu oposto, até hétero ela me disse ser. Eu gosto de héteros, eu gosto de perversões, eu gosto de opostos. Tudo se a-trai.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Abstinências.

Por dias e noites nos acabavamos entre alucinógenos e entorpecentes. E por setenta e duas horas seguidas ninguém nem nem sequer conseguia fechar os olhos por mais de alguns instantes, não dava condições e as condições não se davam. Pelo carpete do apartamento havia copos, comprimidos, vidros, restos de cigarros e restos de pessoas. Enquanto as últimas gotas de whisky eram consumidas pelos olhares de avareza e cobiça, a juventude alí estagnada ia, aos poucos, sucumbindo. Nossos heróis se rendiam às ultimas picadas, nossos cigarros se apagavam no silêncio que ia pairando sobre cada um de nós. Tente voltar a si. Quem sou eu? Aos poucos nossos corpos se rendiam ás condições, ou a falta delas. E por mais setenta e duas horas, dormimos. A abstinência veio como um furacão, eu sonhava com ondas coloridas e êxtaseantes, quando abria os olhos me via tremendo dos pés à cabeça. Fechava os olhos e via, mais uma vez, todas aquelas cores que eram tão fortes que causava dor. Meu corpo se mantinha rígido e eu suava e gritava, não suava de frio, não gritava de dor, mas pedia por uma redenção. Jullie, que mal conseguia se manter em pé, me jogou embaixo do chuveiro e se encostou no vaso para se apoiar e espreitar minha tentativa de me manter embaixo daquela água gelada. As gotas caiam particulares sobre mim, eu podia sentir e até contar cada uma delas. E foi sobre o reconforto delas que eu consegui dormir em paz. Na manhã seguinte aquela velha morbidez, ressaca de cigarros, ressaca das doses, ressaca dos destilados, ressaca das distorções, ressaca das abstinências, ressaca de seres humanos. Eu me rendo.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Até Parece.

Ela sabia que eu não era boa o suficiente, nunca fui, e talvez nunca iria ser. As luzes natalinas iluminavam e cintilavam nosso caminho, e caminhavamos e falavámos merda por aquelas ruas inconstantes e instantes. Os velhos clichês inanimados de natais passados arrancavam sorrisos sinceros das crianças que alí passavam. Para nós, crianças entorpecidas, os clichês, antes inertes, se animavam e arrancavam nossos sorrisos mais sinceros e insanos. Nossos corpos se davam, nossas mãos dadas e ela me acompanhava noite adentro. Para aonde estávamos indo? Não importava. Estávamos apenas indo. Nunca gostei de destinos, sempre foram disfarçes para as coincidências. E talvez só o amanhã pudesse dizer algo sobre nós duas, mas o amanhã era sempre o amanhã. E dessa vez nossos caminhos pareceram se separar em um dos pontos mais escuros e confusos do caminho, era aquela velha encruzilhada de novo. Em um trocar de olhares fulminantes, nossos corpos se des-deram, nossas mãos desfizeram o nó que as mantinham juntas, e nossas mentes criaram um novo nó, daquele pior tipo, que quanto mais você tenta desfazê-lo, mais ele se complica. E só se complicou, de fato. E até parece que não lembra e que não sabe o que passou e o que restou. Malditos (somos) nós.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

A Menina dos Olhos.


A primeira vez que a conheci eu entorpecia nos meus mesmos clichês de sempre em uma dessas mesmas noites loucas de sempre, onde a lucidez não existia, e na verdade nunca existiu. A menina dos olhos brilhava mais do que qualquer raio colorido que eu via naquela noite. Ela estava enconstada no canto de uma pilastra naquele clube noturno que cheirava a cocaina e a suor. Nossos olhares se cruzavam por inúmeras vezes, e toda aquela psicodelia que nos envolvia parava e girava ao nosso redor. Pode ter sido efeitos do lsd, mas um pouco de romantismo não faz mal a ninguém. Ela era daquele tipo de groupie apaixonante, usava uma mini saia provocante, e mais provocante ainda era a meia arrastão parcialmente rasgada por baixo. A maquiagem realçava os traços em um rosto que disfarçava a inocência, e seus olhos me contavam histórias de romances esquecidos, antes mesmo dela pensar em me contá-las. Ela encantava todos os tipos de roqueiros, baderneiros, vagabundos e presidentes. Me disseram que ela era do tipo de garota que você se apaixonava de primeira, e de fato era. Mas eu não me apaixonei nem de primeira, nem de segunda e nem tão pouco de terceira. Me disseram que ela era do tipo de garota-furacão, que passava e destruia corações em mil pedaços, e mesmo assim ninguem se esquecia dela. E de fato era. Mas eu era do tipo garota-problema que gostva de correr riscos. E ela por algum motivo viu em mim uma solução, talvez para mim, talvez para ela ou talvez para as duas, uma redenção. A promiscuidade escorria pela sua pele. Ela sorria para mim. Eu desviava meu olhar acompanhando o universo de luzes que dominavam minha mente. E ela continuava sorrindo para mim.

- Belos sapatos, vamos trepar? - disse ela me abordando.
- Hoje não, obrigada - devolvi o sorriso para ela e dei um último gole na dose de vodca.

Talvez foi aí que ela se encantou por mim, ela também gostava de correr riscos. Todas as vezes que nos viámos entre trepadas casuais e beijos superfiais, eu a conhecia mais uma vez. Eu não me apaixonei de quarta, nem de quinta e nem tão pouco de sexta. Paixões são passageiras. Mas a menina dos olhos...ela sempre fica.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Suburbia.

Era madrugada de um novembro tão chuvoso e tão gélido, que andar nas ruas a essa hora era quase impossível, todos as tentativas de movimentos congelavam em frações de segundos. Mas nós, crianças punks, incansáveis que somos, seguiamos uma trilha de neblina e fumaça de cigarros que sempre tendiam a dissipar-se quando mais precisavámos. Estávamos muito bêbadas para saber aonde ir, e lembrar o que estávamos fazendo. E todas as direções pareciam nos levar ao mesmo lugar. E já era tarde demais para crianças estarem brincando tão longe. Todos os shows já haviam acabado, mas ainda parecia muito cedo para voltar para casa. Sempre era cedo demais para voltar para casa. Fomos embaladas por uma canção do Morrison, que parecia que tinha sido feita especialmente para aquela noite. Os amplificadores gritavam, e nós gritávamos por eles. Beijos nos bastidores, flertes atrás das cortinas, o tempo nos ultrapassava e tudo o que precisávamos era de mais uma dose e mais uma música para sentir como se o mundo não fosse tão ruim assim.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Incerto.

Duas semanas de algum tipo de compromisso sério que ninguém conseguia explicar e a monogâmia começava a pesar, e ás vezes pesava tanto que me derrubava. E lá estava eu naquela mesma encruzilhada de sempre, sentada no meio-fio principal, fumando um cigarro e tentando decidir se eu ia ou não para a casa de uma dessas meninas que eu conhecia em meio a essas noites que nunca pareciam acabar. Talvez se eu conseguisse ficar sã por mais horas dos meus dias eu teria tomado melhores decisões nesses momentos. Mas certezas são para aqueles que precisam se manter no controle o tempo todo. Fraquezas. Não mantive o controle, apena evitei o descontrole por mais 2 semanas, e desabamos: eu, meu relacionamento e minha dignidade. Começou com uma amiga e ex-namorada de Jullie que ia no apartamento praticamente todos os dias e com ela lá nunca estávamos sóbrias, nem mesmo durante o sono. Apartir disso a minha encruzilhada se desfez e eu via apenas um caminho a seguir, se está no inferno, abraçe o capeta. E eu o fiz, no abraço mais destruitivo que eu poderia dar. Belle você é linda, mas monogâmia não é para mim.

domingo, 13 de abril de 2008

Contorno.

Sexta-feira, 6 horas da manhã e eu voltava para casa cambaleando, me recostando nos muros e me apoiando nas paredes numa tentativa de caminhada após mais uma noite corrompida de trabalho. Chegando nas escadarias do prédio, tentando achar minhas chaves do portão, que eu perdia em média uma vez por semana, pude notar alguém escorado e desmaiado bem na entrada. Eu só conseguia pensar no conforto da minha cama e tentei pular e passar por cima daquele ser infeliz que havia bloqueado minha passagem para o céu. Porém, devido ao meu grau de in-sobriedade tudo que eu consegui foi cair em meio à aquela tentativa falida. Cutuquei-a umas boas centenas de vezes e ela nem mexeu. Imaginei que talvez estivesse morta e resolvi chutá-la, primeiro de leve, afinal se realmente estivesse morta não iria fazer mal nenhum. Ela se mexeu, e aparentemente eu havia perdido a noção da minha força, porque depois eu fui ver o tamanho do roxo que eu deixei marcado. Ela lentamente foi abrindo os olhos, como se fosse a primeira vez. Era aquela ruiva maravilhosa, dela eu não havia me esquecido. Falei para ela se levantar e estiquei minhas mãos oferecendo ajuda, mas acabei caindo ao tentar puxá-la. Uma sequencia de risos antecedeu alguns segundos de silêncio, que pareceram infinitos. Ela parecia sóbria e eventualmente fui descobrir que ela estava sóbria, de fato, ela só gostava muito de dormir, e dormia aonde encostava, é uma arte. Ela me disse que havia chegado 3 horas da manhã alí na minha porta e ficou tocando o interfone por algumas horas. Jullie provavelmente estava em casa, mas ela nunca atendia o interfone, o telefone ou nem mesmo a campainha, nunca tinha condições para isso. Entrando em casa, Jullie se encontrava sem roupa, desmaiada no sofá. Eu falei para a ruiva não se importar, e ela não se importou, na verdade ela era adepta ao nudismo público no ápice da loucura, é uma arte. Ela passou dias lá em casa, e depois do segundo dia resolvi perguntar o nome dela, já estava ficando estranho eu contornando e inventando adjetivos para chamá-la. Belle, de bela, e de fato era. Depois de duas semanas me vi entrando em algum tipo de relacionamento menos casual e mais sério e isso me assustava.

- O que será de nós? - me perguntou nas primeiras horas do dia.
- Eu gosto de você. - respirei fundo e torci para a palavra "namoro" não vir à tona e contornei - Vamos ficar ficando. - continuei.
- Do tipo você só comigo e eu só com você? - disse ela acendendo um cigarro.
- É. - eu disse aliviada de pelo menos ter contornado e evitado o peso da palavra.
- Me parece ótimo. - ela sorriu, me deu um beijo e foi para a varanda acabar seu cigarro.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Redenção.

Foi em um desses dias que após 144 horas de isanidade ilícita, eu desabava. Era finalmente meu único dia de redenção, e tudo que eu precisava era de um dia inteiro em casa, sem nem mesmo colocar um cigarro na boca, ouvindo e sentindo o silêncio. Ás 15 horas da tarde, no auge na minha introspecção, Dih bateu, esmurrou e chutou a porta do apartamento, eu me arrastei da cama até a porta, buscando acreditar que era apenas um sonho. Ela usou de tuda sua insistência e persuação para me obrigar a ir até sua casa, para uma festa "imperdível", me deu algumas doses de anfetamina e fomos. Me diverti por algumas horas, mas naquele ponto nenhuma anfetamina, metanfetamina ou lisérgico iria me impedir de desabar. Entrei no quarto dela, que cheirava a nicotina e alcatrão, e me joguei na cama. Minutos depois, uma ruiva linda com cabelos longos entrou no quarto alegando que a Dih havia mandado-a lá. Eu mal conseguia abrir os olhos e assim que fechou a porta ela se ofuscou pela escuridão. Ela era tímida, e naquele ponto da minha sobriedade eu também era tímida. O silêncio rondou por minutos, eu queria fechar os olhos mas não conseguia, não com aquela beldade sentada na cama comigo. Assuntos foram surgindo aos poucos e a vontade de beijá-la foi ficando tão intensa que chegava a entorpecer. Entorpecida assim, na pausa entre respirações, beijei. Acordei no dia seguinte, e os braços dela me abraçavam. Fitei-a uma última vez, ela era mais bonita do que eu imaginava. Eu queria aquela menina para mim. Levantei, escrevi meu endereço na parede, por força do hábito.

Vamos repetir a dose.
Vou preparar a cama.
Apareça quando precisar de boas doses de endorfina.
Te vejo em breve,
Lorena.

02/10/1977

segunda-feira, 7 de abril de 2008

(L)ucy in the (S)ky with (D)iamonds.

Era uma dessas madrugadas de quintas-feiras entorpecentes, e eu trabalhava como uma condenada do(ao) inferno. O LSD queimava no meu corpo durante todo o expediente, e eu me divertia mais do que nunca nessas noites. As paredes derretiam, as pessoas distorciam e as notas musicais pairavam no vácuo. Eu piscava e divagava, tudo ficava mais devagar, como se eu tivesse um controle remoto e colocasse tudo em câmera lenta. Eu piscava e alisava o balcão, ele ia e voltava centenas de vezes em poucos segundos. Eu demorava de 2 a 3 minutos para começar a conseguir entender o que me pediam, mas a maioria das pessoas desistia de esperar no primeiro minuto, e eu me perdia mais uma vez naquele universo de raios e luzes. A conclusão foi que eu consegui servir 3 drinks durante toda a noite, efetivamente. Porém 2 deles não correspondiam ao que tinham me pedido. Em vez de uma cuba libre, eu só consegui chegar até a parte da vodca pura e em vez de um Bloody Mary, eu consegui apenas colocar poucas gotas de whisky, que causaram certa abstração, e parei para vê-las cair em lentidão particular. E depois disso, tudo o que consegui fazer foi bebê-las. Havia uma morena linda sentada no meu balcão levemente derretido, e ela com bastante intimidade, me convidou para um sexo casual. Pelo menos foi o que eu entendi, ou o que na verdade eu quis entender. Meu corpo queria, mas minha mente não dava condições. Fomos para a casa dela, e ao pegar na mão dela, pareceu como se sua pele houvesse se acoplado à minha. Naquele final de noite eu não fiz sexo, ela estava nua deitada na cama, e tudo o que eu precisei fazer foi explorar todas aquelas curvas perigosas com a mera ponta dos dedos, as texturas que se formavam eram viciantes. Foi o ápice do prazer insano para mim, o ápice do prazer carnal para ela. Quem precisa de sexo quando se tem LSD?

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Di(h)sfarçe.

Dih foi uma das meninas que eu conheci naquele bar, aonde eu servia doses de alcóol etílico com essência de limão que disfaçava um drink chamado caipivodca. Rapidamente, aquela garota com sarnas na cara e um sorriso que cativava o mais frustrado dos junkies, tornou-se parte essencial da minha vida. Ela passava noites e noites no meu bar, de 7 a 8 vezes por semana, e só bebia até o ponto de discontrair nós duas. Ela discontraía. E a mais errada das minhas viajens, me parecia certa o suficiente, quando ela estava presente. Eu ria tanto que chegava a doer no âmago. Sem perceber, eu acabara de conseguir sustentar uma amizade por mais de algumas semana sem o benefício do sexo. Até então eu não conseguia acreditar(ou manter) algum tipo de relação saudável com alguém, sem que envolvesse os prazeres carnais. Ela morava em uma casa herdada de gerações em gerações da sua família, era uma casa enorme, que em menos de 2 mêses que ela havia se mudado pra lá, virou um antro neo-punk com festas que rendiam por semana a fio, até a polícia chegar e colocar todos para fora. A sanidade não existia(existe) nem nas palavras.

segunda-feira, 31 de março de 2008

Hermenêutica Particular.

Em um dos começos de manhã, chegando em casa depois de mais uma madrugada impetuosa de trabalho, com uma sobriedade que chegava até a assustar o mais sóbrio de todos os homens, não pude deixar de notar a nossa parede esquerda da sala. Como um piscar de olhos, ela havia sido coberta por recados e lembretes, que a esse ponto parecia uma obra de arte abstrata, com todo seu sentido particular. Em cima do móvel , a caneta estereográfica preta ficava a postos, em um lugar tão acessível que até esparramada no chão era possível pegá-la, por isso as notas no rodapé da parede, desconfio. Passando os olhos, frase a frase, li, reli e traduzi nosso universo em palavras. Havia de tudo e mais um pouco naquela, antes, gélida parede ignorada. Declarações de amor de garotas que eu nem lembrava o nome, ou pior, a fisionomia. Números de telefones, marcas de batom, lista de compras, lembretes de casa, avisos de saídas e chegadas, viajens resumidas em algumas tentativas de palavras, desenhos, piadas, rabiscos que algum dia devem ter feito sentido para alguém, tudo deve ter feito sentido para alguém, algum dia. Senti as entrelinhas, li a paixão e a loucura com que tudo fora escrito. Estavam em uma ordem maluca, sem padrões de datas ou de pessoas. Padrões eram para os fracos. Em uma das datas mais recentes, reconheci a letra de Jullie em um recado bastante inusitado:

Estamos sem filtro para o café, peguei sua meia.
Mas não se precupe, ela estava limpa, eu acho.
Goles de amor e whisky,
Jullie

01/09/1977

quinta-feira, 27 de março de 2008

Garota Tequila.

Foi no começo daquele Agosto chuvoso, quando a falta de dinheiro, de expectativas e de sobriedade me fizeram arrumar um emprego, salário mínimo e uma mesa de dança, em uma casa noturna que eu frequentava de 7 a 8 vezes por semana. Casa noturna era um apelido luxuoso, era apenas um buraco de esquina, que abria no começo da tarde e só fechava quando o último mortal sucumbisse lá dentro, o que em algumas noites não demorava muito para acontecer. O palco de 1 metro abrigava sonhos de 15 minutos de fama. E entre solos de rock'n roll e distorsões de punk-rock, eu servia Bloody-Mary com dose dupla de vodca à aquela legião de jovens com indentidade adulterada e modificada. A apenas alguns quarteirões do meu apartamento, que eu já tinha a audácia de chamar de lar, aquele buraco culminava de extâse(ecstasy), de drogas pesadas e de má sorte. Em uma das noites que eu me corrompia(e corrompia) trabalhando naquele bar, uma baterista promissora de uma banda decadente, sentou-se, apoiou-se no balcão e para a minha surpresa pediu algumas doses de tequila, as meninas dalí não costumavam a beber destilados puros. Era o intervalo entre duas bandas e os ruídos ensurdecedores tomavam conta do lugar. Ela virou uma dose. Pediu mais uma. Virou duas doses. Ela reluziu e eu quis ela na minha cama de imediato. Desafiei:

- Se eu beber mais doses do que você em 1 minuto, vamos para a minha casa. Se você beber mais doses do que eu em 1 minuto, vamos para a sua. Topa? - sorri, já colocando as doses em cada copo.

Ela sorriu de volta e começou a virar. 1, 2, 3...7 doses em 1 minuto.

- Se eu ganhar, vamos para minha casa e você vai fazer o que eu quizer. - disse com toda a convicção de uma vitória.

Sorri e começei a virar. 1, 2, 3...as coisas começaram a girar...6 doses em 1 minuto e bâbada no final. Ela esnobava, e eu gostava.




segunda-feira, 24 de março de 2008

Tabuada.

Era começo de tarde ensolarada de uma quinta-feira melancólica. Acordando, ou pelo menos tentando abrir os olhos, me flagrei esparramada naquele sofá corroído e roído. Tudo rodava a minha volta, uma, duas, cinco vezes. É, ainda estava bêbada mais uma vez. Me apoiei no braço do sofá e tentei me levantar, uma, duas, cinco vezes. É, pegar um cigarro nunca havia sido tão difícil. Em uma daquelas rotações da sala, pude notar Jullie desmaiada no chão da cozinha, semi nua, abraçando uma garrafa de destilado(que a essa altura, pela falta de dinheiro, era apena um destilado qualquer) e depois de uns cinco minutos gravitacionais, consegui me levantar e pegar um cigarro. Ao abrir a porta do meu quarto, me deparei com uma, duas...cinco pessoas dormindo na minha cama, pessoas estas que até então eu não lembrava de ter conhecido. Fechei a porta, e fiquei imaginando quantas poderiam haver no quarto de Jullie. Sapatos, meias, bitucas, copos, agulhas, garrafas, ruídos, risos,comprimidos. Somando cada um desses, poderia se contar uma legião. E se multiplicasse, poderia ainda haver uma nação de jovens sem futuro. Não quis somar, e muito menos multiplicar. Peguei o maço de cigarro, o resto do dinheiro que me restava, metade de uma das múltiplas garrafas que se encontravam esparramadas no chão da cozinha e escrevi um recado para Jullie(também esparramada no chão da cozinha, por sinal) na parede esquerda da sala, o primeiro lugar(e o primeiro lado) que ela olharia quando acordasse, caso ela não gravitasse como eu, claro.

Preciso de sexo. Volto quando o fizer(e lembrar de ter feito).
Não me espere para o jantar, café da manhã ou almoço.
Tragos de amor e whisky,
Lorena.

15/07/1977

domingo, 16 de março de 2008

Jullie

Jullie era uma garota com seus 16 para 17 anos, contruídos sobre uma inocência perdida. A primeira vez que eu a vi, tinha 2 dias que eu havia chegado naquela cidade infernal e eu vagava em busca de cigarros, destilados e punk-rock. Ela não era como as outras que se escondiam atrás de uma maquiagem mal feita. Nossos olhares se cruzaram entre entorpecentes e ceticismo, e pareceu como se o mundo houvesse parado para testemunhar aquele encontro auto-destruitivo. Os olhares ao se cruzarem abriram um universo próprio, sobre acordes de guitarras, sobre garrafas quebradas, sobre uma libertinagem surreal. Eu pedi um cigarro, ela pediu o fogo.

- O que você faz aqui? - perguntou.
- Não faço idéia. - respondi.
- Eu também não. - retrucou.

Com mais uma garrafa de whisky na mão, caminhamos a noite inteira e falamos merdas. E nas primeiras horas do amanhecer, estávamos no suburbio mais junkie que eu já havia visto. Em um apartamento aparentemente abandonado, em um prédio de portões maçisos e paredes pichadas, que tudo começou. Ela perguntou quanto eu tinha no bolso, e com algumas notas parcialmente rasgadas e amassadas e uma longa conversa com o homem do andar de baixo, o inquilino neurótico de esquina, conseguimos prolongar o tempo de aluguel daquele apartamento que cheirava a restos de cigarro, restos de anfetamina, restos de uma juventude. Da varanda, se podia ver a extensão de todo aquele suburbio periférico. Se existisse algum Deus no inferno, seria como agente se sentia, vendo tudo lá de cima, com nosso cigarro na mão. A pressa, as angústias, o medo, o desespero, a humanidade. Tudo redundante.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Dicas de Maquiagem.

O Sol pairava sobre minha cabeça, era de fato um calor infernal. E eu andava sem saber ao certo minha direção. Foi quando dentre crianças punks e semi-adultos perdidos, me deparei com um grupo de garotas revestidas com kilos de maquiagem, de pupilas dilatas e risadas psicodélicas, pareciam terem saído de um universo paralelo, ilícito. Seus traços finos da face se escondidam atrás de pinturas cegas, sombras coloridas e batons borrados. E como em um passe de mágica, por um instante poderia esquecer-se dos defeitos, das acnes, dos olhares cativantes e principalmente da inocência. Crianças, moças ou mulheres? Pedi o isqueiro à mais calada delas, ela cativava em formas de distorsão, mas não pude reparar sua beleza verdadeira, estava acobertada pelo seus suplícios. Porém, ela havia chamado minha atenção de alguma forma, talvez fosse aquele cabelo colorido, talvez fosse aquela sedutora meia-arrastão ou talvez fosse simplismente a forma como ela me olhava. As outras três, compensando o silêncio de uma, falavam sobre tudo. Me contaram sobre gritos roucos, acordes sangrentos, guitarras solitárias e agulhas na veia. Como se estivessem me (re)apresentando ao velho punk-rock destorcido pela juventude. Coloquei o isqueiro daquela misteriosa garota maquiada no bolso, sem que ninguém percebesse, afinal era um zippo metalizado 1972, com uma bandeira da Inglaterra estampado. Era o retrato de um nacionalismo combatido e agora venerado em outras formas. Elas me deram um papel de um clube noturno alí perto, disseram que rolava de tudo, e piscaram quando disseram "tudo". Do excesso até as abstinências. Me despedi. Coloquei mais uma vez minha guitarra no ombro, e continuei a andar pelas ruas arteriais do inferno. Mais à frente, olhando o cartão mais uma vez, reparei que na parte de trás tinha um telefone, uma marca de batom e um nome(ou codinome), sorri e pensei na garota do batom borrado e das sombras instigantes. Coloquei o cartão no mesmo bolso do isqueiro. Continuei. O inferno começara a me parecer celestial.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

O que acontece em Tihuana, fica em Tihuana.

Eram 6 horas da manhã, e eu mal conseguia abrir os olhos. Porém sem ainda abri-los, me vi praticamente desmaiada sobre os assentos do vagão, abrançando com muita carência a então vazia garrafa de whisky, Jack Daniels 1969, vinda diretamente do contrabando mexicano. Ouvi um rebuliço, uma freada brusca, um sino e passos, de todos os tipos, apressados, calmos, coerentes, padronizados, marchas e até passos de bengalas . Abri os olhos, procurei meu maço vermelho, tentei levantar e meio cambaleante me dirigi à saída. Havia um homem, meio sujo, meio louco, meio calçado, e pricipalmente de meias palavras, escorado na primeira pilastra da platarforma.
Fui indagar do meu paradeiro, e sem procurar puxar algum tipo de diálogo com ele, perguntei-o diretamente aonde eu estava. Ele sorriu, me olhou de cima a baixo e disse calmamente:

-Você está no inferno, garota. Você está no inferno. - repetiu.

Se o céu é o limite, do inferno eu não devo passar, pensei comigo. Acendi o cigarro, coloquei a guitarra no ombro e começei a andar, na direção oposta a que todos iam .

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

In-cômodo.

Era precisamente Junho de 1977, época em que a brilhantina virava pó, o pó entorpecia e a juventude vivia de simbólos e rebeldia. Eu, era daquele tipinho de revolucionária comum, sem nenhum toque especial, vivia suja e perdida por esses buracos que chamavam de clubes. No auge do punk-rock, e meus 18 anos estagnados a quase um ano inteiro, sai de casa, a princípio para uma volta pelo parque. Mas o ínico da minha Lou-cura me levou para outros cantos. Com um único maço de Marlboro no bolso, uma garrafa de whisky barato na mão e a guitarra no ombro, passei do parque e fui me dirigindo em direção à estação. Na cabeça, além de entorpecentes, havia a ânsia de achar alguma coisa que meu ceticismo poderia aceitar. Peguei o trem das 22hras na estação principal daquela cidadezinha de caos, chamada Horibe. Eu não sabia ao certo para aonde aquele trem ia, só sei que ele apenas ia, e para mim era mais do que o suficiente. Em um piscar de olhos(e uns goles de whisky), o trem já seguia para o Sul, e em mais alguns piscares de olho(e mais uns goles) a minha garrafa já estava na metade. Foi quando me deparei com os olhares cruzados e desaprovados daquelas 3 pessoas que compartilhavam o pequeno cômodo do vagão comigo. A senhora do meu lado não parava de fitar minha garrafa e meu cabelo mal lavado. Ignorei. Olhei para a placa de "Proibido Fumar', ironicamente sobre a minha cabeça. Foda-se. Acendi um cigarro, e dei um demasiado gole no whisky. A mesma senhora, olhou, encarou, desaprovou, e silenciosamente se levantou, se dirigindo para outro in-cômodo do vagão. Coloquei os pés sobre o assento dela, e fiquei imaginando se ela era claustrofóbica, muda ou se ela simplismente não quis estabelecer nenhum diálogo comigo. Olhei para o casal na minha frente, que por acaso pareciam bem frustrados com a relação deles, e fiquei imaginando quanto tempo deveria ter que eles não faziam sexo. O homem me olhou, como se tivesse adivinhado meus pensamentos, respirou fundo, e surpreendentemente me pediu um trago. A mulher, surpresa, levantou-se perplexa e saiu do vagão. Tudo isso no mesmo silêncio perturbador de antes. Mas como se o marido tivesse lido os passos dela, ele encostou, deu dois tranquilos tragos, me agradeceu e foi atrás dela. Voltei aos meus demasiados goles de whisky e pensei na ironia das coisas. Eu, que havia pagado menos do que o preço da passagem convencional(pela falta de dinheiro, claro), estava alí, em um cômodo sozinha. E alí, a alguns vagões a frente, centenas de burgueses haviam pago o triplo, talvez o quádruplo para ficarem nessa mesma posição. Há há há. Otários!