quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Insight.

Era uma manhã em que o vento me acordava violentamente, e quanto mais eu tentava desviar, mais ele parecia me seguir. Abria os olhos aos poucos e mais uma vez não sabia aonde estava. Havia umas pessoas espalhadas pelos cantos e eu me perguntava como eu ainda conseguia interagir com outros depois de todo aquele ceticismo no caráter humano. Talvez não houvesse interagido, era isso que eu esperava. Tentava me levantar cambaleante, achava tudo aquilo muito estranho, aquele lugar era tão familiar, e ao mesmo tempo, tão assustador. Pisava nos espaços entre colchões e humanos, procurava bitucas de cigarros e o que restava da minha dignidade. Não achei. Fugi dalí o mais rápido que pude e ao caminhar pelas calçadas eu sentia o peso da ressaca que chegava para me assolar. Quando eu chegava nas escadarias do meu prédio, espiei um velho conhecido, que me esperava sentado e rodeado de bitucas de filtro vermelho. Esbocei um sorriso sóbrio, era o primeiro em muito tempo. Ele me abraçou e quase me colocou no colo, ele era enorme. Pedi um cigarro e me sentei, voltava a experienciar sentimentos genuínos de saudade, amor e confidencia, que a tanto tempo não sentia por ninguém. Eu me sentia muito doente durante um quarto do dia, no outro quarto dele tinha sintomas de abstinência e delirium tremens, comecei a valorizar mais meu tempo. Antes o passava lendo, escrevendo filosofias existenciais e reclamando do mundo. Agora já pensava que poderia dar mais valor àquelas pessoas ao meu redor que realmente valiam a pena, eu as havia escondido atrás de toda aquela frustração com o caráter daqueles que não valiam nada. Mas eu poderia contar nos dedos de uma mão deficiente, eram poucos e raros. Eu não poderia arriscar uma perda de tão alto valor, afinal eu sabia que eu não era uma pessoa fácil de lidar e que não seriam todos que se manteriam ajoelhados no milho junto a mim. E no fim de todo o sufoco e com um pouco de sorte e um pouco de clichê eu torcia para que só a morte pudesse acabar com essas relações, que ironicamente eram as únicas que eu conseguia manter.

domingo, 20 de novembro de 2011

Anti-Qualquer Coisa.

Recebi uma vez uma receita para o esquecimento. Já tinha para mim que o segredo era um porre atrás do outro; assim se esquecia de tudo o que fazia doer. Mas em uma tarde nublada, enquanto andava pela calçada estreita, me vi questionada sobre a formula do esquecimento, e eu, que ainda pensava em amores passados, me interessei. "Se interesse pelo próximo cadáver que aparecer" dizia a bula; mas continuava: "contra indicado para os que acreditam em amor". E continuava a ler aquela receita impaciente: "50 ml após um desperdício", e eram tantos desperdícios. Sentava no degrau e fumava um cigarro refletindo sobre tudo o que havia passado, e principalmente, sobre tudo o que tinha restado, e era pouco, quase o suficiente para uma dose de qualquer uma. Essa seria a receita perfeita, uma outra pessoa para esquecer aquele amor, e funcionou, até certo tempo. Por mais que a amnésia tomasse conta da minhas lembranças, o que pairava era uma saudade do que nunca iria acontecer. A receita era simples: "use de qualquer um, abuse de qualquer coisa", fácil, ousei desafiar. Sobre a eficácia, até hoje não sei dizer, na bula não dizia nada sobre conciliá-lo com boas doses de álcool, e viva o esquecimento.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

3 Estações.

Era para ser mais uma primavera comum naquela cidade, mas dessa vez parecia que as flores não queriam desabrochar nem tão pouco colorir. Eu tomava um café espreitando o cinza das ruas, quase que fobicamente. Aqueles padrões de não-cores me assustavam de tal intensidade que eu cobria meus olhos e ansiava por qualquer químico lisérgico que me faria mergulhar em aquarelas. Mas eu havia decretado hiatus dessas coisas e só me permitia algumas doses de destilados, porém estes não coloriam, só deixavam as coisas mais turvas no dia seguinte, maldito seja aquele dia seguinte. Saia com um cigarro na mão, sem acendê-lo, procurava me auto-enganar dizendo que o iria acender em breve. Sentava nos bancos bambos da praça, olhava a grama pisoteada, sem indícios de que ela seria verde de novo, me angustiava com pensamentos da existência efêmera de tudo; de como é necessário ter um nada para que se possa criar algo. E filosofava e poetizava em busca desse nada criador. Já haviam me falado que pessimistas não deveriam ler Nietzsche ou algo que o valha, mas eu teimosa, não enxergava o tal negativismo que todos viam nele. Enfim, me entediava da existência e voltava a caminhar com o cigarro apagado entre os dedos, tudo passava entre aqueles dedos, mas o cigarro ficava, estático, apagado. Ex-isto.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Saudade.

Eu nunca fui muito de desabafos, mas este se faz necessário, estava consumida por nostalgia e um pouco de indisciplina. Há um ano atrás eu deixava o meu lugar preferido, caminhava com pesar pelas areias me vendo obrigada a retornar àquela velha rotina que me derrubava, conseguia lembrar, não, sentir, o peso das botas que não queriam ir embora. Mantive alguns amigos, perdi alguns amores, mas a cidade sempre ficava, e dela lembrava com saudosismo lacunar. Era dia trinta, antes tão simbólico e hoje tão vazio. Eu estava sentada no sofá e ao som de uma canção qualquer que falava sobre sempre se sentir jovem, me recordava em tragos daquelas montanhas que eu só conseguia subir até metade, ouvindo meu pulmão sucumbir às escadarias ingrimes. Lembrava também das montanhas que desci e descobri prazeres que nenhuma viagem de alucinógeno poderia explicar. Conheci mexicanos que não bebiam tequila, japoneses viciados em sexo, russas que não pareciam com atrizes de filmes pornô e italianos que não eram charmosos, poderia ter me surpreendido, mas apenas me desvinculei de rótulos. Me apaixonei, pela primeira vez, pela simplicidade das coisas. Aquela cidade gritava liberdade e eu costumava a caminhar pelas ruas sorrindo, sem motivos aparentes, mas tão transparentes a qualquer olho nu. Conheci pessoas para se guardar por uma vida, apaixonei-me carnalmente também, mas essa já daria uma outra história. Voltava a mim e espreitava o meu redor, a realidade agora era outra, a respiração chegava até a doer, pois que doa, de passo em passo eu conseguiria chegar lá, mais uma vez.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Sem limites.

Era tempo de cotidiano e os acontecimentos seguiam àquela rotina perturbadora que tanto me assombrava. Eu acordava cedo, de ressaca, escrevia algumas palavras ao vento, soltava alguns termos infelizes, acendia um cigarro e me encolhia no sofá com dores no fígado. Algumas pessoas passavam por mim e me mandavam parar de beber tanto, e se eu não estivesse beirando o alcoolismo, talvez as ouviria. Naquele ponto minha saúde física era só um detalhe e eu me confortava em doses de qualquer coisa. Passava o dia achando explicações em canções e acordes, ás vezes esboçava algumas composições, mas só saberia falar do caos. Quando a noite caia eu tirava forças da abstinência e me levantava em direção ao bar mais próximo, me juntava a poucos bons amigos, que eu desconfio que também dançavam no limítrofe alcoolista, e passávamos a madrugada falando besteiras e trocando flertes com as garotas que ali ficavam. Eu poderia conhecer uma dúzia de pessoas durante a bebedeira, que no dia seguinte não lembraria sequer de suas feições, só reconheceria quando acordasse com alguém do meu lado, e era aquela mesma história de sempre, o esforço do re-conhecimento:

- Aceita um café? - eu disfarçava amnésia com amistosidade.
- Sem açucar, por favor.
- Dormiu bem?
- Pouco, mas bem.
- Hum... - e vinha o silencio do desconhecimento.
- É Ana, caso você não se lembre.
- Ora, você acha que eu esqueceria?
- Você se lembra?
- Claro, Ana. Vamos voltar para a cama.
- Okay. - e ela parecia saber o caminho para o quarto melhor do que eu.



quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Primeiros Passos.

Cheguei em um ponto da minha vida onde, aos poucos, ia deixando de lado todos aqueles prazeres hedonistas. Passei a notar detalhes, expressões, percebia o que nunca havia sequer, me preocupado em perceber. Eu andava pelas ruas contando os passos obsessivos daqueles que tinham pressa, eu sorria com ações gratuitas; a bailarina que fazia malabares nos sinais e cativava com o olhar simples e talentoso, o mendigo que andava com dificuldade com as mãos abertas em busca de algum trocado e quando o conseguia esboçava um sorriso de lado, que mascarava, por alguns segundos, a tristeza que ali o rondava, havia também o moleque que entregava papeis nas ruas, de pés descalços, desejando a todos um bom dia. Parecia que eu havia me libertado de todo aquele individualismo que abrangia todos que ali passavam, vinha de repente uma vontade de sentar com eles e saber de suas vidas, aprender malabares, mais humildade, me libertar do peso dos sapatos que distinguiam tanto uns dos outros. Os prazeres eram diferentes, mas eu poderia sentir que a essência era a mesma, eu me identificava naquela calçada e todos os dias eu caminhava pelos mesmos lugares, observava até os grafites nas paredes, e um deles me encarava todos os dias dizendo: "nunca é tarde para mudar o tempo". Nunca é.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Se Essas Paredes Falassem.

Certo dia quando cambaleava pela casa, me escorando nas paredes, lia de relance cada frase ali escrita, cada palavra, cada desabafo. E no rodapé de um canto repleto de vazio, um texto tímido espreitava, em giz negro, dentre todas aquelas palavras com cores e poéticas. Ele dizia:
"Eu tentei, não mais do que valia a pena, não menos do que meu orgulho me permitiu. Ouvi meias mentiras, falei meias verdades. Minhas verdades que omitem junto com suas mentiras que machucam. Eu não tentei mais do que deveria, não esperei menos do que ganhei. Afinal, já estava tudo escrito, não é mesmo? Se era pra ser destino, ele apenas acenou para nós. Por mais que eu te queria por perto, estava muito longe do real sentimento. Escrevo timidamente neste canto pois amanhã posso ter outros encantos. Quando o ler, poderá se identificar, se não, haverá outras poesias que farão mais sentido em qualquer outro lugar. Se as linhas parecerem tortas é devido ao meu estado, que pesar. É hora do ponto final, deixaremos as reticencias apenas para o passado.
Lorena
07/08"

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Mesmice.

De volta às noites de inverno daquela cidade que eu já poderia chamar de minha. Era a volta ao caos que a mesmice trazia, mesmo procurando novos lugares, eu sempre acabava com as mesmas histórias. Não tinha muito tempo que eu havia saído de um relacionamento e conclui que a melhor solução seria de conhecer novas pessoas.Tanto meus relacionamentos amorosos quanto os pessoais andavam de mal a pior e ás vezes eu sentava em pubs e iniciava conversas aleatórias com qualquer um, era o conforto da solidão. Ás vezes não necessitava nem de puxar alguma conversa, eu apenas trocava olhares, trocava sorrisos amarelos, entrava em algum banheiro com uma expressão convidativa, quase sempre dava certo e mais uma vez eu acordava em lugares desconhecidos ou não sabia como havia voltado para casa. Eram, ainda, as mesma histórias. Em uma dessas noites de mesmo fim, eu olhava intensamente para uma garota, sorrindo, flertando, ela notava, mas parecia não ter coragem para algum outro movimento, ou estava apenas assustada com aquela bebum à encarando. Depois de um tempo quando notei que não ia dar em nada, me levantei, com um grupo de pessoas que se sentava ali comigo e caminhava lentamente rumo a outro qualquer lugar. Ela me cutucou por trás e me entregou um papel com o endereço de um pub onde eu poderia achá-la mais tarde, eu sorri, a convidei para se perder comigo, mas ela insistiu que eu fosse para aquele pub no centro da cidade. Eu neguei e continuei meu caminho. Mais tarde, naquela mesma noite, após várias doses e discussões filosóficas, eu me flagrei com aquela vontade de aparecer, cambaleando, no pub do centro; e como eu nunca fui só de ficar na vontade, não hesitei em ir. Chegando lá, a esperei pacientemente e quando ela me espiou, ela soltou um sorriso e me atacou com avareza, ou seria luxúria, eu não saberia dizer. Não trocamos nem meias palavras, e ela me perguntava: "você costuma a fazer isso sempre?" - eu apenas respondia com sorrisos. No dia seguinte, eu acordei procurando respostas para aquela pergunta: não, não faço isso sempre.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Que Bella!

Após algumas horas de viagem e algumas confusões linguísticas eu já espiava as construções antigas daquela cidade que gritava por turistas em busca de boas lembranças. Eu não gostava de me sentir como um deles, mas de fato, eu precisava de boas lembranças para sobrepor aquelas velhas memórias de escadarias e bebedeiras. Ao descer do ônibus eu já pude sentir o calor daquele lugar, eu sentia que poderia acender um cigarro na refração daquele Sol. Uma velha amiga me esperava na estação, era uma das poucas pessoas que eu tinha saudade. Rumamos pelas estreitas ruas, entre vendedores de bugigangas e cantadas baratas chegamos a aquela portinha, que se tornaria meu maior conforto nas noites de solidão. Tudo que eu precisava naquele momento era de uma bebida alcoólica gelada e uma caminhada para ambientação. Já na praça principal, a alguns metros do apartamento, eu já havia me rendido ao primeiro bar que vi. A partir dai, só fui parar depois de uma semana. O Sol parecia nunca se pôr e eu vagava sozinha pela cidade aprendendo cantadas em outros idiomas, sabia que me serviria para algo. Eu já não sabia mais fazer as contas de quantas vezes havia me perdido ou errado a porta de casa. Ás vezes eu conseguia me entediar daquela multidão de todo canto do mundo e pegava um trem rumo ao litoral para meditar e desfrutar dos prazeres carnais, e que prazeres. Aquelas cantadas que eu havia aprendido caíram muito bem. Depois voltava para a cidade e me preparava para partir de vez, a ideia de voltar para casa me dava arrepios, mas era mais uma vez necessário. Deixava minhas saudades com aquela velha amiga, assim como um pouco de excessos. E lá estava eu na estrada novamente, para a pior parte do percusso; re-volta.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Rokin.

Mais um inverno chegava e era hora de cair na estrada novamente, eu havia juntado alguns trocados fazendo uns bicos pela cidade e eu já podia me ver cruzando oceanos. Lá estava eu mais uma vez com aquela velha mochila que cabia minha vida nas costas e a garrafa de whisky nas mãos. Eu sabia que era tempos de redenção e viajava sem qualquer preocupação do que ficava para trás, era hora de deixá-las para trás. Sumi mais uma vez, sem deixar ao menos um aviso nas paredes. E lá estava eu a milhas de distancia daquele inferno e tudo o que eu fazia era dar suspiros aliviados. Logo no primeiro dia eu já desbravava aquele lugar com um sentimento de familiaridade inacreditável. E mais inacreditável ainda foi encontrar com uma não tão velha conhecida, que parecia cruzar todos meus caminhos nas estradas afora. Nos juntamos para dias a fio de libertinagem; eu não saberia distinguir um dia do outro, mas saberia dizer o quanto foi libertador. Eu cambaleava pelas ruas iluminadas pelas luzes vermelhas, me esbarrava em vitrines que expunham belas jovens exportadas da América, sorria para elas, era tudo o que eu podia gastar. Eu estava reaprendendo a arte de flertar e acabava por me empolgar demais e acordava com alguns nomes no bolso. No dia seguinte, me confortava nas lembranças de outras pessoas sobre o resto de noite passada. Levantava com dificuldade e caminhava pelo caminho que já era um tanto quanto familiar, encontrava com aquela conhecida que me alimentava com alguns tragos de cannabis e seguíamos direto para algum pub para recomeçar de onde havíamos parado. Difícil seria sobreviver a uma vida ali, era hora de cruzar fronteiras e experimentar de outros lugares. Despedi daqueles que conheci, quanto àquela que eu já conhecia, eu sabia que nos cruzaríamos mais algumas vezes por ai. Coloquei a mochila nas costas, rumo ao sul aonde o Sol é Toscano.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Borderline.

Eu tinha um pedaço de mim que possuía instabilidade emocional, sempre se despedaçava por tempos em tempos. Me amava incondicionalmente em um dia e no outro se consumia de rancor, nem mesmo importava o que eu havia feito, os motivos eram sempre diferentes. Ás vezes eu saia pelas escadarias do velho edifício catando pedaços, ás vezes passava dias procurando, ela esvaia facilmente. Mas o sentimento de abandono batia rapidamente e refletia na campainha da minha porta. Trazia consigo problemas sem soluções para ocupar minha cabeça, tomar meu tempo e me consumir para sumir em alguns dias, me culpando pela falta de solução. Por mais passional que fosse a ilusão da saudade, passava em pouco tempo. Aquele pedaço se desprendia e arrumava outros corpos para passar os dias, para depois retornar buscando conforto de arrependimentos , sem culpa, me culpa. Entorpecida, dormia entre meus braços e acordava murmurando histórias passadas, dizendo que precisava de ir embora, tomava um café e acendia um filtro vermelho. Se confortava no sofá e voltava a murmurar sobre como nos fazíamos mal. Dizia que me ama, um beijo, tchau.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Escambo.

Minha vida seguia ao ritmo do blues, enquanto tudo desabava ao meu redor, eu viajava de norte a sul assobiando músicas que ficaram no passado. Naquele momento eu havia optado pela solidão. O problema de confiar nas pessoas é que não se deve confiar nas pessoas. Relações inter-pessoais já não eram um bom negócio naquela cidade e eu mantinha o mínimo de contato com o mínimo do que havia restado. Decepções me levaram ao desprendimento e não havia nada que poderia me manter ali. Com a mochila nas costas e uma garrafa em punhos, a caminhada pelo asfalto era longa. Conhecia uma meia dúzia de pessoas ao longo das estradas e passava noites em claro em festas de fraternidade que não tinham hora para acabar: "até o último homem em pé" diziam os cartazes pelas salas. E não demorava para acontecer, em menos de vinte e quatro horas não havia mais ninguém para contar história, nem eu, logo, não contarei. Ao final do fim de semana, me via obrigada a voltar para juntar mais alguns trocados para as próximas estradas. Existia em pensamentos existenciais, seria o preço da liberdade? Minha liberdade por alguns trocados. Eu troco.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Bodas de Nada.

Chegava o fim do outono para levar consigo o fim de um relacionamento, a queda das folhas, secas, representavam aquele nosso último momento; entre um desmaio e outro, quando eu nem havia ainda conseguido ficar sóbria, foram poucas palavras e muito silêncio e no fim nos senti desconhecidas, e foi a ultima vez que senti. Porém, quando toda calmaria anuncia uma tempestade, eu pegava carona com os ventos de fim de outono, que levavam as folhas, anunciando o gélido inverno cinza. Naquela mesma noite eu esquecia de tudo em um porre comemorativo, era noite de festa na cidade, e eu me perdia mais uma vez, cada vez mais distante. Ao pensar no que a semana traria, eu não tinha nenhuma intenção de manter a dignidade e a postura que nunca mantive, passei dia a dia de cama em cama e não me recordo de um sequer momento de sanidade. Quando me dei por mim, depois de todos aqueles dias que desapareceram, vi que tudo o que tinha restado eram nossas músicas em um toca-fitas; elas ainda estavam tocando.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Montanha Russa.

Meu caro Johnny costumava a dizer que apaixonar-se era como cair em um circulo de fogo, onde você conseqüentemente e certamente iria se queimar. E eu sempre acreditei nele, pois até os mais tolos sabiam que cair de amores por alguém poderia resultar em uma queda muito alta. E por ironia, foi a primeira música que cantei para ela, esquecendo-me dos perigo das chamas crescentes. Mas na verdade eu já não ligava mais, eu já havia passado horas me embebedando e desenvolvendo teorias para aquele relacionamento que eu tinha construído com ela por até então, um bom tempo. Após doses e mais doses de vodca, filosofia, nicotina e (bom) senso, consegui elaborar a teoria da montanha russa. E por tamanho clichê que possa parecer, fez um incrível sentido para mim na hora. A maioria das pessoas quando pensa em montanha russa associa-se à adrenalina, de fato é, mas eu associei, em um nível mais profundo, à insegurança. A adrenalina é produzida, na maioria das vezes, pelo medo (que é nada menos que uma insegurança). E há pelo menos um momento do percurso que você imagina que algo pode dar errado; seu cinto não está seguro o suficiente, o carrinho está fazendo um barulho estranho, o que acontecerá depois da queda? É quando você se segura firme no primeiro lugar que você acha, qualquer, só para certificar-se da segurança. Eis o começo do relacionamento junto com as "fugidinhas". Então chega a parte do looping, onde seus pés ficam fora do chão e nada é constante, você não sabe a velocidade e tão pouco o tamanho da curva, mas está com a adrenalina a mil e sabe que não tem jeito de voltar atrás, e nem quer. É a melhor parte, compensa pagar mais uma vez para sentir. Depois, tem aquela freada brusca, que você nunca esperava naquele ponto. Por inércia, seu corpo continua para frente, mas volta de uma vez. Mais uma garantia de segurança. A pior parte dessa freada é que ela muitas vezes engana, e faz achar que está perto do final, mas na maioria das vezes, mantém a estabilidade do carrinho para mais uns loopings. Ainda não consegui finalizar a teoria da montanha russa, talvez preciso de mais um tempo, de mais algumas doses, de mais alguns meses de convivência com ela, mas por enquanto, se encaixa bem no que tenho de definição do meu relacionamento; Após a freada, voltamos ao começo, como se nos desafiávamos para mais uma volta, e iámos sem hesitar. Mais algumas doses, por favor.

terça-feira, 29 de março de 2011

P (r) onto.

Era nosso último dia ali e a escassez de dinheiro, cigarros e dignidade começava a gritar. Porém ainda tínhamos uma dúzia de garrafas de destilados e afrodisíacos, se era o necessário para esquecer a escassez, beberemos. As gotas de alcool pareciam evaporar em meio à todos aqueles sedentos pelo último dia, últimos goles. Lembrei, em um flash, de ter falado a ela mais cedo:
-Hey, não vamos desmaiar hoje.
Mas havia me esquecido da resposta. Eu a fitava com uma garrafa na mão, trocávamos olhares de desejo, ela também tinha uma garrafa na mão. Sem que ninguém percebesse ela entrou no quarto, quase deixando um convite para mim. Entrei. Nenhuma de nós duas soltou as respectivas garrafas. A joguei na cama e nos envolvemos com tal intimidade que adormecia até a ponta dos meus dedos. Nos misturávamos no suor, nos lençóis e no afrodisíaco, que a essa altura já coloria toda a cama. Sentávamos, falávamos algumas besteiras, ela falava algumas besteiras enquanto eu desenhava todo seu corpo em meus dedos. Colocava uma roupa mais ou menos, saia do quarto, pegava mais uma garrafa e voltava. Quando começava a amanhecer nos lembramos das noites que passávamos juntas quando nos conhecemos, com essa mesma intimidade, naquele lugar tão longe dalí. Havia tanto tempo que não fazíamos isso. Eu perguntei qual tipo de relacionamento tínhamos, ela não soube responder, tão pouco quanto eu. Naquele momento pensei o tanto ela me fazia bem e o quanto a queria por muito mais tempo. Ela tinha uma teoria sobre continuarmos fazendo apostas de quanto mais duraríamos, talvez assim, por alguma razão que fez sentido na cabeça dela, superaríamos as expectativas de apostas ou as nossas próprias. Mas avisei prontamente que só apostaria se ela pagasse, como não havia feito das últimas vezes. Aposta?

Faz?

Pegamos a primeira estrada rumo a qualquer lugar. No carro, a música embalava no mais alto volume e todos cantavam ao som das estradas. Clapton, Stones, Cash; eles contavam nossa história quase que magicamente. E toda vez que esta trilha tocava, nos tocávamos, sinestesia de canções em sentimentos. Depois de cinco horas de asfalto pareciamos chegar em algum lugar, era uma pequena cidade concentrada em volta de uma praça onde todos se perdiam por ali. Nos instalamos em uma casinha que aparentemente não caberia nem metade de todos aqueles que começavam a chegar. Sem hesitar pulei logo no quarto que tinha uma cama de casal, joguei minha mochila sobre a cama e ali me sentei veemente afirmando aquele cômodo. Ela me observava de longe, às vezes ela não entendia muito bem o que eu fazia, mas não a culpo, quem entenderia? Eu a fitava da cama e tentava chamá-la para dentro, ela negava balançando a cabeça e rindo, ás vezes eu também tinha que buscá-la. Buscava, fechava a porta do quarto e a beijava pelo máximo de tempo que conseguia e em dois minutos ela já estava lá fora, sentada no sofá, acendendo um baseado atrás do outro. Nem mesmo nos fins de noite conseguíamos esboçar alguma preliminar sexual; ou eu estava desmaiada em algum lugar da casa ou ela estava muito chapada para se mover de qualquer lugar que ela havia se instalado. Éramos aquele tipo de casal que ficavam sem condições até para trepar, quem diria.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Carnival.

Era época de festas e a cidade se aquecia para receber todos os tipos de pessoas que se alegravam com aquela ocasião. Eu não era uma delas e permanecia reclusa na minha varanda, dançando com minhas garrafas e meu maço de cigarros que cheiravam a fim de festa. Eu espiava conhecidos, desconhecidos e semi-conhecidos esparramados sobre o chão daquele apartamento, pessoas que eu nunca nem havia partilhado um gole de histórias ébrias. Foi quando alguém teve algum tipo de insight e sugeriu que partíssemos, para qualquer lugar, em qualquer estrada, na direção oposta àquela cidade que nos próximos dias se tornaria o pior pesadelo daqueles que não se adaptavam ao Carnaval, máscaras. Foi como um sino de alerta, quando todos se levantaram e catavam restos de cigarros, bebidas e pontas de marijuana para colocar na mochila. Viramos o sofá em busca de moedas ou alguma coisa que o valha. Desviei o olhar para minha garota, que espreitava na porta do quarto, procurando um sentido para toda aquela comoção. Coloquei as poucas moedas que achei no bolso e caminhei em direção a ela.
- Eu tenho uma passagem para qualquer lugar - eu disse.
Ela, que desconfiava de tudo, me olhou meio de lado, esbanjou um meio sorriso e foi em direção ao banheiro. Ela gostava de me deixar em situações em que eu não entendia nada. Pouco depois ela voltou, quase que pronta e me disse:
- Está esperando o que? - colocando a mochila nas costa e indo em direção à porta.
Se eu não aparecesse nas escadarias em 5 minutos eu sabia que ela iria sem mim. Juntei rapidamente as bitucas de cigarros e as garrafas de afrodisiacos, destilados e amnésicos e desci, mais uma vez, rumando em direção do nascer do sol. Partimos.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Trinta de Fevereiro.

Os meses passavam e eu já não contava com o ócio do tempo para sentar e relatar os acontecimentos borrados dos meus dias, agora, contados. Em introspecção, eu fumava um cigarro e apenas lembrava; queria escrever, grafo-grafar ou ao menos (re) compor. Mas nunca o fazia. Chega de clichês, nos últimos sete meses eu havia ajoelhado e rezado para não sentir o que eu sentia naquele ponto. Montei armaduras que me prometiam vencer guerras, mas sucumbiram ao primeiro bater mais forte do coração. Eu já sabia que desde o primeiro momento ela já havia me encantado de tal jeito que me fez sentir saudade nos primeiros cinco minutos de falta, mas, em nome da boêmia, não quis acreditar. Mas a intensidade dos momentos gargalhavam e zombavam de tais encontros que deixavam de ser casuais, ela me olhava de tal maneira que acelerava, era mais delicioso que qualquer dose de anfetamina na veia; o tempo passava, mas a sensação continuava por dias; a intensidade do olhar, a surpresa do inesperado e o impacto do toque, o mais intenso do toque. E era como eu me sentia desde a primeira vez quando todas as circunstâncias e acasos apontaram para o lugar certo. Acaso? Talvez. Mas talvez não seja bem assim...