quinta-feira, 24 de abril de 2008

A Menina dos Olhos.


A primeira vez que a conheci eu entorpecia nos meus mesmos clichês de sempre em uma dessas mesmas noites loucas de sempre, onde a lucidez não existia, e na verdade nunca existiu. A menina dos olhos brilhava mais do que qualquer raio colorido que eu via naquela noite. Ela estava enconstada no canto de uma pilastra naquele clube noturno que cheirava a cocaina e a suor. Nossos olhares se cruzavam por inúmeras vezes, e toda aquela psicodelia que nos envolvia parava e girava ao nosso redor. Pode ter sido efeitos do lsd, mas um pouco de romantismo não faz mal a ninguém. Ela era daquele tipo de groupie apaixonante, usava uma mini saia provocante, e mais provocante ainda era a meia arrastão parcialmente rasgada por baixo. A maquiagem realçava os traços em um rosto que disfarçava a inocência, e seus olhos me contavam histórias de romances esquecidos, antes mesmo dela pensar em me contá-las. Ela encantava todos os tipos de roqueiros, baderneiros, vagabundos e presidentes. Me disseram que ela era do tipo de garota que você se apaixonava de primeira, e de fato era. Mas eu não me apaixonei nem de primeira, nem de segunda e nem tão pouco de terceira. Me disseram que ela era do tipo de garota-furacão, que passava e destruia corações em mil pedaços, e mesmo assim ninguem se esquecia dela. E de fato era. Mas eu era do tipo garota-problema que gostva de correr riscos. E ela por algum motivo viu em mim uma solução, talvez para mim, talvez para ela ou talvez para as duas, uma redenção. A promiscuidade escorria pela sua pele. Ela sorria para mim. Eu desviava meu olhar acompanhando o universo de luzes que dominavam minha mente. E ela continuava sorrindo para mim.

- Belos sapatos, vamos trepar? - disse ela me abordando.
- Hoje não, obrigada - devolvi o sorriso para ela e dei um último gole na dose de vodca.

Talvez foi aí que ela se encantou por mim, ela também gostava de correr riscos. Todas as vezes que nos viámos entre trepadas casuais e beijos superfiais, eu a conhecia mais uma vez. Eu não me apaixonei de quarta, nem de quinta e nem tão pouco de sexta. Paixões são passageiras. Mas a menina dos olhos...ela sempre fica.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Suburbia.

Era madrugada de um novembro tão chuvoso e tão gélido, que andar nas ruas a essa hora era quase impossível, todos as tentativas de movimentos congelavam em frações de segundos. Mas nós, crianças punks, incansáveis que somos, seguiamos uma trilha de neblina e fumaça de cigarros que sempre tendiam a dissipar-se quando mais precisavámos. Estávamos muito bêbadas para saber aonde ir, e lembrar o que estávamos fazendo. E todas as direções pareciam nos levar ao mesmo lugar. E já era tarde demais para crianças estarem brincando tão longe. Todos os shows já haviam acabado, mas ainda parecia muito cedo para voltar para casa. Sempre era cedo demais para voltar para casa. Fomos embaladas por uma canção do Morrison, que parecia que tinha sido feita especialmente para aquela noite. Os amplificadores gritavam, e nós gritávamos por eles. Beijos nos bastidores, flertes atrás das cortinas, o tempo nos ultrapassava e tudo o que precisávamos era de mais uma dose e mais uma música para sentir como se o mundo não fosse tão ruim assim.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Incerto.

Duas semanas de algum tipo de compromisso sério que ninguém conseguia explicar e a monogâmia começava a pesar, e ás vezes pesava tanto que me derrubava. E lá estava eu naquela mesma encruzilhada de sempre, sentada no meio-fio principal, fumando um cigarro e tentando decidir se eu ia ou não para a casa de uma dessas meninas que eu conhecia em meio a essas noites que nunca pareciam acabar. Talvez se eu conseguisse ficar sã por mais horas dos meus dias eu teria tomado melhores decisões nesses momentos. Mas certezas são para aqueles que precisam se manter no controle o tempo todo. Fraquezas. Não mantive o controle, apena evitei o descontrole por mais 2 semanas, e desabamos: eu, meu relacionamento e minha dignidade. Começou com uma amiga e ex-namorada de Jullie que ia no apartamento praticamente todos os dias e com ela lá nunca estávamos sóbrias, nem mesmo durante o sono. Apartir disso a minha encruzilhada se desfez e eu via apenas um caminho a seguir, se está no inferno, abraçe o capeta. E eu o fiz, no abraço mais destruitivo que eu poderia dar. Belle você é linda, mas monogâmia não é para mim.

domingo, 13 de abril de 2008

Contorno.

Sexta-feira, 6 horas da manhã e eu voltava para casa cambaleando, me recostando nos muros e me apoiando nas paredes numa tentativa de caminhada após mais uma noite corrompida de trabalho. Chegando nas escadarias do prédio, tentando achar minhas chaves do portão, que eu perdia em média uma vez por semana, pude notar alguém escorado e desmaiado bem na entrada. Eu só conseguia pensar no conforto da minha cama e tentei pular e passar por cima daquele ser infeliz que havia bloqueado minha passagem para o céu. Porém, devido ao meu grau de in-sobriedade tudo que eu consegui foi cair em meio à aquela tentativa falida. Cutuquei-a umas boas centenas de vezes e ela nem mexeu. Imaginei que talvez estivesse morta e resolvi chutá-la, primeiro de leve, afinal se realmente estivesse morta não iria fazer mal nenhum. Ela se mexeu, e aparentemente eu havia perdido a noção da minha força, porque depois eu fui ver o tamanho do roxo que eu deixei marcado. Ela lentamente foi abrindo os olhos, como se fosse a primeira vez. Era aquela ruiva maravilhosa, dela eu não havia me esquecido. Falei para ela se levantar e estiquei minhas mãos oferecendo ajuda, mas acabei caindo ao tentar puxá-la. Uma sequencia de risos antecedeu alguns segundos de silêncio, que pareceram infinitos. Ela parecia sóbria e eventualmente fui descobrir que ela estava sóbria, de fato, ela só gostava muito de dormir, e dormia aonde encostava, é uma arte. Ela me disse que havia chegado 3 horas da manhã alí na minha porta e ficou tocando o interfone por algumas horas. Jullie provavelmente estava em casa, mas ela nunca atendia o interfone, o telefone ou nem mesmo a campainha, nunca tinha condições para isso. Entrando em casa, Jullie se encontrava sem roupa, desmaiada no sofá. Eu falei para a ruiva não se importar, e ela não se importou, na verdade ela era adepta ao nudismo público no ápice da loucura, é uma arte. Ela passou dias lá em casa, e depois do segundo dia resolvi perguntar o nome dela, já estava ficando estranho eu contornando e inventando adjetivos para chamá-la. Belle, de bela, e de fato era. Depois de duas semanas me vi entrando em algum tipo de relacionamento menos casual e mais sério e isso me assustava.

- O que será de nós? - me perguntou nas primeiras horas do dia.
- Eu gosto de você. - respirei fundo e torci para a palavra "namoro" não vir à tona e contornei - Vamos ficar ficando. - continuei.
- Do tipo você só comigo e eu só com você? - disse ela acendendo um cigarro.
- É. - eu disse aliviada de pelo menos ter contornado e evitado o peso da palavra.
- Me parece ótimo. - ela sorriu, me deu um beijo e foi para a varanda acabar seu cigarro.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Redenção.

Foi em um desses dias que após 144 horas de isanidade ilícita, eu desabava. Era finalmente meu único dia de redenção, e tudo que eu precisava era de um dia inteiro em casa, sem nem mesmo colocar um cigarro na boca, ouvindo e sentindo o silêncio. Ás 15 horas da tarde, no auge na minha introspecção, Dih bateu, esmurrou e chutou a porta do apartamento, eu me arrastei da cama até a porta, buscando acreditar que era apenas um sonho. Ela usou de tuda sua insistência e persuação para me obrigar a ir até sua casa, para uma festa "imperdível", me deu algumas doses de anfetamina e fomos. Me diverti por algumas horas, mas naquele ponto nenhuma anfetamina, metanfetamina ou lisérgico iria me impedir de desabar. Entrei no quarto dela, que cheirava a nicotina e alcatrão, e me joguei na cama. Minutos depois, uma ruiva linda com cabelos longos entrou no quarto alegando que a Dih havia mandado-a lá. Eu mal conseguia abrir os olhos e assim que fechou a porta ela se ofuscou pela escuridão. Ela era tímida, e naquele ponto da minha sobriedade eu também era tímida. O silêncio rondou por minutos, eu queria fechar os olhos mas não conseguia, não com aquela beldade sentada na cama comigo. Assuntos foram surgindo aos poucos e a vontade de beijá-la foi ficando tão intensa que chegava a entorpecer. Entorpecida assim, na pausa entre respirações, beijei. Acordei no dia seguinte, e os braços dela me abraçavam. Fitei-a uma última vez, ela era mais bonita do que eu imaginava. Eu queria aquela menina para mim. Levantei, escrevi meu endereço na parede, por força do hábito.

Vamos repetir a dose.
Vou preparar a cama.
Apareça quando precisar de boas doses de endorfina.
Te vejo em breve,
Lorena.

02/10/1977

segunda-feira, 7 de abril de 2008

(L)ucy in the (S)ky with (D)iamonds.

Era uma dessas madrugadas de quintas-feiras entorpecentes, e eu trabalhava como uma condenada do(ao) inferno. O LSD queimava no meu corpo durante todo o expediente, e eu me divertia mais do que nunca nessas noites. As paredes derretiam, as pessoas distorciam e as notas musicais pairavam no vácuo. Eu piscava e divagava, tudo ficava mais devagar, como se eu tivesse um controle remoto e colocasse tudo em câmera lenta. Eu piscava e alisava o balcão, ele ia e voltava centenas de vezes em poucos segundos. Eu demorava de 2 a 3 minutos para começar a conseguir entender o que me pediam, mas a maioria das pessoas desistia de esperar no primeiro minuto, e eu me perdia mais uma vez naquele universo de raios e luzes. A conclusão foi que eu consegui servir 3 drinks durante toda a noite, efetivamente. Porém 2 deles não correspondiam ao que tinham me pedido. Em vez de uma cuba libre, eu só consegui chegar até a parte da vodca pura e em vez de um Bloody Mary, eu consegui apenas colocar poucas gotas de whisky, que causaram certa abstração, e parei para vê-las cair em lentidão particular. E depois disso, tudo o que consegui fazer foi bebê-las. Havia uma morena linda sentada no meu balcão levemente derretido, e ela com bastante intimidade, me convidou para um sexo casual. Pelo menos foi o que eu entendi, ou o que na verdade eu quis entender. Meu corpo queria, mas minha mente não dava condições. Fomos para a casa dela, e ao pegar na mão dela, pareceu como se sua pele houvesse se acoplado à minha. Naquele final de noite eu não fiz sexo, ela estava nua deitada na cama, e tudo o que eu precisei fazer foi explorar todas aquelas curvas perigosas com a mera ponta dos dedos, as texturas que se formavam eram viciantes. Foi o ápice do prazer insano para mim, o ápice do prazer carnal para ela. Quem precisa de sexo quando se tem LSD?

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Di(h)sfarçe.

Dih foi uma das meninas que eu conheci naquele bar, aonde eu servia doses de alcóol etílico com essência de limão que disfaçava um drink chamado caipivodca. Rapidamente, aquela garota com sarnas na cara e um sorriso que cativava o mais frustrado dos junkies, tornou-se parte essencial da minha vida. Ela passava noites e noites no meu bar, de 7 a 8 vezes por semana, e só bebia até o ponto de discontrair nós duas. Ela discontraía. E a mais errada das minhas viajens, me parecia certa o suficiente, quando ela estava presente. Eu ria tanto que chegava a doer no âmago. Sem perceber, eu acabara de conseguir sustentar uma amizade por mais de algumas semana sem o benefício do sexo. Até então eu não conseguia acreditar(ou manter) algum tipo de relação saudável com alguém, sem que envolvesse os prazeres carnais. Ela morava em uma casa herdada de gerações em gerações da sua família, era uma casa enorme, que em menos de 2 mêses que ela havia se mudado pra lá, virou um antro neo-punk com festas que rendiam por semana a fio, até a polícia chegar e colocar todos para fora. A sanidade não existia(existe) nem nas palavras.