segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Um Blues de fim de noite.

O problema de se relacionar com canalhas é que você vai perdendo o romantismo das coisas, torna-se cético e também, um pouco canalha. Eu nunca diria que era uma rotina cultivar esses tipos de relacionamentos, mas eu já era cética, e talvez, um pouco canalha, e sabia bem a intensidade e porque não, a auto-destruição, de estar em uma relação assim. Sabe-se da decepção eminente, mas apaixona-se cegamente. Mas a vantagem de brincar com fogo é que aprende-se a não se queimar, ou pelo menos aprende-se a estancar a dor com mais domínio. Era o que eu fazia de tempos em tempos, quando insistia em me relacionar sobre um precipício. Me diziam que toda mulher tem um canalha de estimação, seja domesticado ou não. Existem até mesmo os canalhas platônicos, que habitam fantasias hollywoodianas e Almodovarianas. Neologismos a parte, eu passava por um momento de incertezas, a ponto de não saber aonde me encontrava; nos limiares do canalhismo ou nos palcos shakespearianos, que de tão romântico torna-se trágico. Aquela história do "pagar para ver" já estava batida, eu já não tinha com o que mais pagar, estava tudo hipotecado em dívidas; do coração até a razão. Dívidas comigo mesmo, que foram se fazendo quando eu me levantava de cada queda, quando implorava ao tempo uma cura, quando descobria que ele nada cura. Ao longo das estradas o meu modo de romancear tornou-se descrente e sempre precisava de linhas para serem preenchidas com um fim. 

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Semiótica Histérica.

Eu tinha um pedaço de mim teatral, que vivia nos subúrbios da Comédia e da Tragédia. Se dissociava de uma atuação de palco quando aparecia como drama de escadarias. Se perdia entre personas e personagens e me obrigava a achá-lo quando as cortinas fechavam. Me cativava com um olhar de falta, faltava roteiro. E mais uma vez eu descia da minha zona de conforto em busca de saciar seus desejos histéricos, que eu já sabia, nunca seriam saciados por completo; a falta pela falta. Me fazia lembrar de um grande pensador, que falava em mimesis como um movimento de representar a natureza. Porém, conhecendo tão bem esta parte de mim, eu ousava discordar e pensar que era impossível representar algo natural; o natural não poderia ser ensaiado. O teatro é uma verdade feita de máscaras, porém, este pedaço de mim parecia caminhar ao contrário, uma máscara feita de verdades. E por isso que ele sempre se perdia de mim pelas ruas daquela cidade, ele se misturava ao respeitável público e eu já não sabia mais distingui-lo de todos. E na calada da noite, ele voltava na ponta dos pés, suplicando por atenção, por afeto, contando várias verdades de backstage e eu, mais uma vez, me deleitava em todo aquele drama que já o era inerente. E quando o Sol ficava a pino, ele se esvaia por aquelas escadarias em busca de suprir toda aquela angustia de ainda ter o  palco vazio. 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A Arte de Enganar a Si Mesmo.

Não me viram passar por aqui. Eu não passei por aqui. Eu nunca estive aqui. Me diziam que se você repetir uma mentira várias vezes ela se torna uma verdade. Eu não sinto, eu não sinto, não sinto...eu poderia facilmente acreditar nisso. Eu até apresentava alguns sintomas de aceleração de batimentos cardíacos, de saudade ou de fixação, mas eram apenas comorbidades do meu vazio. Sentava no canto oposto da mesa de bar e me embriagava de sentido, não sinto. Me diziam que o que os olhos não vêem, o coração não sente, embriagava meus olhos com detalhes de fundo. Porém, o que os olhos vêem, eles devoram. A carne de tão fraca me tornava em apenas pele, e eu já não contava mais verdades a mim mesma. Poderia passar noites na companhia de pensamentos insistentes, mas no fim, tomava algumas gotas de algum sonífero e preferia não pensar. A mentira mais comum é aquela que usamos para enganar a nós mesmos e eu insistia em não sentir. Slogans estampavam verdades que eu não queria ver, preferia o conforto do engano. Os olhos que devoravam eram os mesmo que esqueciam. O coração que insistia em não ver, era o mesmo que dilacerava em silencio. Não me viram padecendo. Eu não padeci. Eu nunca padeci. 

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Ode Ao Poeta.

Era fim de tarde daquela efêmera primavera e eu caminhava a passos largos e cambaleantes em direção às escadarias de casa. Eu que não era de guardar detalhes, parei de repente frente a alguns rabiscos no muro que me acompanhava silencioso, eram novos escritos. Alguns esboçavam romances, outros se rebelavam nas próprias palavras e se embaralhavam em incompreensão e alguns poucos me chamaram atenção; poderiam ser meus escritos de outrora. O muro tão silencioso passava a sussurrar respostas por clichês. Um dos escritos dizia: Atrações físicas são comuns, conexões mentais são raras. Me perdi e me achei ao longo do mesmo segundo, acendi um cigarro, pensei e tentei me recordar da última vez que eu havia achado essa conexão. Não havia muito tempo, porém, eram de fato, raras essas pessoas que haviam passado por mim. Lembrei-me de uma pessoa em especial, ela rodeava o limítrofe de todos os meus sentimentos, e no final do dia conseguia ir embora com tanta facilidade. Nunca tivemos a oportunidade de ter algo que beirasse o estável, não por falta de qualquer coisa que o valha, mas pela velha mania de complicar o que poderia ser tão simples. Nossos corpos exalavam atração, a conexão ia além da mental, era neuronal: algo tão complexo que se dava com tanta rapidez e tamanha facilidade. Mas faltava poesia, ela costumava a dizer. Faltava poesia à minha compreensão das coisas. Nunca fui de sair poetizando, mas na verdade, acredito que a poesia só existe em quem a sente. Eu via poesia até no nosso modo ímpar de se odiar. Eu havia tirado aquele resto de noite para pensar nela, misticismos a parte, sentia que ela também fazia o mesmo. Se isso não for poesia, foi apenas incompreensão. 

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Vitium.

A cidade cinza denunciava novos tempos que estavam por vir, o Sol não aparecia há dias e até a pressa dos passos nas calçadas faziam uma sinfonia triste e melancólica. O calor flamejava nos corações vazios e queimava em abstinência de velhos vícios. Os desejos latentes se afloravam junto à palavras perversas. Toda vez que o tempo mudava naquela cidade, acontecimentos de mesmo tom surgiam. Para mim, o cinza havia trazido recaídas, recheado de nostalgia e saudosismo. Eu, que clamava por redenção alguns meses antes, me encontrava em metade vício e metade razão. Nunca fui de optar pela razão ao invés do prazer, alías, tinha pavor dos que faziam isso; mas eu era metade prazer e metade inconsequência. E sabendo que a razão nunca iria prevalecer em uma recaída, pedi para que o vício o respondesse por mim. Ele não respondeu, ele só queria existir dentro de mim e eu só queria consumi-lo até que nada mais restasse. Queria tê-lo para sempre, mas não em forma de abstinência. O cinza também coloria todo o caos que pairava sobre aquelas dúvidas. É o querer, o poder, mas o não dever. Um pouco de sensatez seria de grande valia em uma dessas discussões comigo mesma, mas eu era metade coração e outra metade vício.No fim de tudo, todas as promessas que eu havia feito para mim haviam caído por terra e eu permanecia parada em frente a um espelho, fumando um cigarro atrás do outro, espreitando a presença do vício em meus olhos, em todo meu corpo abstinente. Sabia que se cedesse por um breve momento ficaria sempre na vontade de mais. Vitium, minha falta. Sou metade vontade e outra metade falta.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O dia em que me surpreendi com as mulheres.

Eu sempre fui uma grande apreciadora da dinâmica feminina; dos jogos de sedução, da inconsistência de promessas, dos flertes silenciosos e das incertezas dos momentos. Eu sabia muito bem lidar com tudo isso, a cada dia um novo drama, e por trás de cada drama diversas complicações. Mas eu me sentia tão cansada de esperar em cada relação a certeza de um caos, que eu evitava qualquer tipo de relacionamento que envolvesse mais de vinte minutos de conversa que pudesse gerar algum mal entendido e confundir-se com algo parecido com intimidade. Sempre me disseram que intimidade era uma merda; e eu só fui entender isso quando senti a cobrança que o intimo envolve. Antes eu só pensava intimidade como andar pelada pela casa sem que esse alguém achasse estranho, ou até mesmo propor algumas bizarrices no sexo sem que a pessoa se assustasse e te confundisse com um parafilo ou algo do tipo. Olha que surpresa, mais um daqueles dualismos; a intimidade tinha, também, dois polos. Mas foi evitando relações que me surpreendi com as mulheres; descobri que estava me relacionando com meninas. Não precisava ser tão complicado assim, me disseram. Mas a simplicidade me parecia tão chata, que me recusei a acreditar que todos aqueles meus nomes nas paredes eram apenas meninas brincando. E eram, e eu me cansara delas, finalmente. A cada persona, uma mulher. A cada mulher, uma surpresa. Elas tem cheiro de estrógeno, me disseram. Eu nunca soube o cheiro de estrógeno, mas percebia a mulher com atrativos irresistíveis. As meninas que brincavam eram alimentadas de muita ilusão. Acreditavam dizer tudo, apenas com o despir de um vestido. E ao querer satisfazer tudo, sucumbiam sob pena de não fazê-lo e nada satisfaziam, mantendo o vazio que, na necessidade de ser preenchido, se preenchia com inseguranças. Não é em qualquer esquina ou em qualquer bar que se acha mulheres, me disseram.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Apimentado.

Dizem que depois de toda tempestade vem uma calmaria, e de fato, ela chegara carregando as cores da primavera com um toque picante do verão. Aos poucos eu me reerguia e já voltava àquela velha rotina de cama em cama e de bar em bar. Mas quando o fim de semana começava a espreitar, eu colocava a mochila nas costas e deixava a cidade; era cruel aguentar todo o caos que o ócio da juventude trazia durante esses dias, todos ocupavam as ruas sedentos por novas experiencias, mas acabavam fazendo as mesmas coisas. Esse sentimento não era novo para mim. Eu estava me embriagando menos, talvez para evitar as complicações, mas ainda acordava em lugares desconhecidos ao lado de pessoas desconhecidas, mas isso não era algo que queria mudar, era a única sensação de novidade que me restava. Porém eu já não mais dizia: "olá, muito prazer" ou algo que o valha, não era prazer, era necessidade vital. Pensei em criar um novo jeito de me introduzir, que não fosse com uma baita de uma mentira, pensei em "olá, muita luxúria" quando fosse pertinente, mas logo desisti da ideia, por mera pressão popular. E lá estava eu, mais uma vez, inventando filosofias baratas para explicar minha decadência, mas a primavera havia trazido mais do que aquarelas, e eu nem tinha percebido.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Tragédia Grega.

Esta era para ser uma carta de despedida, porém, ao longo das linhas e entrelinhas foi se tornando uma tragédia grega. Ao pensar no fado ao fim, lembrei-me do começo e como tudo parecia um conto de fadas, não poderia ser, nos contos de fadas todos vivem felizes para sempre. Ouvir isso era praticamente uma comédia para mim, tão desacreditada. O personagem de uma tragédia tentando salvar-se acaba condenando-se ao aniquilamento, e esta fui eu refletida no contexto de pontas de cigarros, garrafas vazias e promessas que caiam por terra. O meu oráculo foi o tempo, que me avisara que eu e ela não éramos para ser, desde o começo. Porém, na vontade de fugir dessa previsão assombrosa, eu buscava nela o que me faltava, e quase sem querer, achava muito facilmente. Ela era uma mulherzinha difícil de lidar e precisava que tudo fosse feito em seu tempo, ela também não sabia manter promessas, mas disso eu já sabia. Contudo eu sempre acabava nos braços dela falando algumas merdas sobre destino e coincidências. Mas as linhas dionisíacas estavam traçadas, e todos os pedaços que ali se mantinham já haviam sido emendados de outras peças que o fado do fim pregava em nós. Se estavam emendados, estavam mais suscetíveis a uma nova quebra. E foi de fato o que aconteceu, e não sobraram pedaços para serem colados mais uma vez. E não era eu que iria ficar na escadaria catando os pedaços, dessa vez, o aniquilamento estava completo. Não fui tão radical como Édipo, mas no final de tudo tornei-me cética. Olhar para aquela mulherzinha difícil me fez pensar que talvez eu não precisasse de todo esse drama na minha vida e que poderia ser mais fácil do que imaginável querer coisas simples: respeito, caráter e autenticidade. E eu tinha certeza que essa seria a última vez que escreveria para ela.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Ampulheta.

Eu sempre tive uma estranha fixação com o tempo, e secretamente ironizava aqueles que se confortavam no poder que culturalmente o foi atribuído; o tempo que cura, o tempo que perdoa, o tempo que esquece. Porém, eu parecia experienciar um outro tipo temporal. E não era aquele em que fazia tudo parar em momentos lisérgicos. Era algo mais caótico, mais mortal; o tempo que adoecia e o tempo que destruía. Relações duradouras que se desgastavam e desapareciam, como a areia de uma ampulheta, se esvaindo no desespero de aproveitá-la ao máximo. Parecia que o tempo se recusava a manter relações. Tempo polivalente, tempos difíceis. Eu, como uma boa apreciadora dos sarcasmos, tentava ignorar boa parte das provocações que ele me fazia. Portanto, de tempos em tempos eu cedia ao adoecimento que ele me trazia; o corpo alcoolizado dava lugar a um coração doente e desacreditado, um poço niilista, para ser mais sensata. Ás vezes não adianta lutar contra e acusar as coincidências, o caos tem o seu lugar, por mais que tentamos evitá-lo, vem de tempo em tempo. O melhor que eu fazia era tomar algumas doses, escrever alguns poemas e me erguer em tempos de ressaca, e digo-lhe, era uma tarefa mais difícil do que esperar que ele curasse alguma coisa.

terça-feira, 24 de julho de 2012

A Dinâmica da Vodca.

Sempre me disseram que para beber vodca você tinha que ser forte. Prontamente me lembrei daqueles russos de quase dois metros de altura e especialmente daquelas russas em que eu precisava ficar na ponta do pé para beijá-las, e,  além disso elas poderiam me pegar no colo e me carregar por milhas, e não era culpa da vodca. Eu já tinha uma política diferente, e pensava que não era necessário beber vodca durante um dia inteiro, era apenas necessário beber até que se atingisse o auge; o entorpecimento da vodca. Para alguns, o ápice chegava com duas doses, mas para mim era preciso de mais cinco delas e lá estava eu, mais uma vez, correndo pelas ruas e falando besteiras, não do tipo de besteira que se diz quando entorpecida de cervejas. Eram besteiras sinceras, que você nunca teria coragem de dizer a ninguém enquanto caminhava  no horizonte da sobriedade. Eu falava sobre amores passados que ainda pulsavam em meu peito, falava sobre artimanhas sexuais  e ainda, sobre desejos soberbos que nunca haviam emergido antes.  E lá estava eu bêbada com doses de vodca pura, cowboy, mais uma, sei não.  
Eu adorava conhecer aqueles que se diziam grandes bebedores, eu os batia em duas ou três doses a mais. E eu não precisava ter dois metros para parecer forte, eu só tinha um e sessenta de altura, e ás vezes precisava andar nas pontas dos pés. Era fácil até o topo, eu aprendia e desaprendia a dançar em menos de duas horas, aprendia a conversar em outras línguas e acima de tudo aprendia a suportar a ignorância humana que tanto me incomodava durante momentos de redenção. Que se destile a vodca no meu corpo, o mundo parecia entorpecer ao dançar comigo, e no dia seguinte eu ainda teria a certeza de que de nada iria lembrar. 

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Tom Waits.

Eu tentaria não usar clichês para descrever essa história, porém, eles respondem exatamente o que tanto questionamos, em vão, à filosofias profundas. Procurava palavras certas pra descrever tudo que acontecera em trinta e seis horas, mas elas não existiam em nenhum dicionário de nenhuma língua ou nem mesmo em nenhum livro de kama sutra. Poderia até começar com "era uma vez" para enfatizar quão mágico foi, porém preferi simplificar em uma catarse de sentimentos. Na volta de mais uma das minhas viagens eu havia escrito na última página do meu diário:
"O apelido dela já remetia a um vício, um dos meus preferidos, daqueles que fazem os olhos brilharem e o corpo suar. Havíamos esperado sete anos para a certeza de um encontro; esperar e esperar, estávamos destinadas a isso. A fitei com seus cabelos loiros de longe, acendi um cigarro para disfarçar a ansiedade e a abordei como se já fossemos intimas há tempos. No cumprimentamos, ainda que timidamente esboçávamos conversas de alívio de toda aquela ansiedade do encontro. Nos dirigimos ao bar mais próximo, catalisador social, eu precisava de uma boa dose de alguma coisa. E com apenas alguns minutos de conversa eu já sentia uma conexão incrível, indescritível, esqueça. Tudo o que eu queria naquele momento era lascar-lhe um beijo e aproveitar aquele nosso pouco tempo ao máximo. Porém não o fiz, não por timidez, mas por insegurança da reciprocidade. Após algumas horas de conversa voltamos ao quarto aonde eu me hospedava na Cidade de Cinzas. Fumamos, falamos, rimos, ela fumou. Não me aguentei e a beijei, por sorte, com reciprocidade. Depois disso as horas pareciam voar. Nossa rota parecia ser cama, janela, chuveiro e espelho. Nada além disso. Parecia que já fazíamos isso a muito tempo, e por algum motivo não conseguíamos parar de trepar, de nos tocar, de tirar e colocar nossas roupas. Toda vez que ela simulava ir embora, eu a segurava e a convencia de que ainda não era hora. Ela fumou, dormimos. E no dia seguinte tudo começava de novo, de novas formas, de novos ângulos. Multiplicidade de tudo. Quando a noite ia caindo, nos despedíamos com pesar, com tesão, com sentimentos que havíamos combinado que não poderiam existir. Existiram, ficaram."

A Negação da Condição Existencial.

O tempo na cidade me fazia esquecer dos meus textos, das poesias fugazes e das filosofias baratas. As horas me consumiam com pensamentos ansiosos, a bebida corroía meu estômago, meu corpo e minha mente. O prazer da embriaguez, aos poucos se transformava em pânico da ressaca. Latência; era o que me fazia acordar bem e querer acender a ponta de um cigarro, em ocasiões quase raras. Eu encarava os olhares nas ruas com medo, os passos apressados me faziam não querer sair de casa, apenas deitar na cama e esperar que aquilo tudo passasse, apressaram-se. As pessoas começavam a se preocupar com minhas reações de pânico e pareciam não acreditar que para toda ação existe uma consequência. Foi quando em uma conversa de bar, um mero conhecido me apresentou ao, que viria a ser meu novo melhor amigo, o Senhor Rivotril. Bença aos benzodiazepínicos, eu diria! A partir desse dia eu o levava para onde quer que fosse, como um amuleto, e de fato era. A ansiedade dava lugar a algumas gotas de prazer e todo aquele pavor social desaparecia , assim como os passos e as faces gananciosas que me fitavam pelas ruas. Pode parecer delirante, mas não; eu havia voltado a produzir no silêncio da madrugada e voltava, ao poucos, a aceitar a rotina que tanto me perturbava. Eu havia experienciado um conflito existencial que me levou a exaustão e tudo que o meu novo melhor amigo fazia era me reinserir de forma sutil ao circuito social que tanto prezam. Por um lado eu me sentia muito bem por conseguir voltar a fumar um cigarro inteiro e a beber com o prazer de saber que no dia seguinte eu não me sentiria tão isolada. Foram dois meses do inferno ao céu, e no fim de todo esse sufoco, tudo o que eu queria era reencontrar algumas pessoas, dar uma boa trepada, e esquecer de tudo o que se passara.

"As ilusões humanas provam que os homens não merecem nada melhor do que o esquecimento."

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Ao Brinde.

Era minhas últimas vinte e quatro horas no litoral e eu me embriagava em uma daquelas festas quentes e insanas da hospedaria. Naquele ponto eu já me relacionava muito bem com todos e flertava uma morena linda que somente aparecera naquela noite. Ela tinha pose de mulher vivida e já conhecia todos ali presentes. Sob efeitos de álcool e THC, me apresentei de prontidão. Ela era nativa do paraíso e falava com um sotaque que eu poderia ouvir a noite inteira, e de fato, o ouvi. Havia achado um novo vício instantâneo. Era o verão do amor como costumavam a dizer durante os brindes da casa, apesar de que eu gostaria de chamá-lo de verão da paixão de um dia. Começamos a nos entender desde a primeira palavra dita, depois disso, foram indas e vindas ao banheiro, onde passávamos quase o resto da madrugada como adolescentes, nos escondendo de tudo e de todos no sossego atrás das portas do sanitário feminino. O sol começava a nascer e uma de nós tinha que trabalhar, e não era eu. Nos despedimos como se não fossemos nos ver nunca mais. Mas o dia ainda era longo e eu partiria só no fim da noite. Após um cochilo para recuperar da embriaguez, voltei à praia e por lá permaneci até o pôr do sol, quando voltava para a hospedaria com o pesar da partida. Até hoje não me acostumei com esses momentos, por mais comuns que fossem na minha vida. Faltava três horas para eu partir e lá estava ela, me pegando pelo braço e me levando até a casa dela, em mais uma daquelas fugidinhas adolescentes. E durante essas ultimas horas nos despedimos mais uma vez, dessa vez com a certeza de que não nos veríamos mais tão cedo. E lá se foram as vinte e quatro horas mais rápidas do meu verão naquele ano. E mais uma vez eu estava em direção à cidade, e cada vez meu corpo voltava com mais pesar.

Um Paraíso e um Jazz.

Todos os acontecimentos que vinham se dando em minha vida me levavam mais uma vez à estrada, dessa vez em direção ao litoral. Eu já sabia que depois de todo caos vinha a calmaria e eu seguia rumo a ela. Os ventos sopravam em minha nuca e me diziam para não olhar para trás. Não demorou muito para que eu chegasse ao meu destino e a sentir uma paz que acalentava a alma, acendia o primeiro cigarro do dia e percebia todos aquelas decepções desaparecerem com a maré. Eu já fazia piadas e me entretinha com os faróis das balsas que se cruzavam entre as ilhas. Andava mais um pouco e chegava à uma hospedaria onde haviam pessoas de todos os tipos que me recebiam com cannabis e doses de whisky; sim, eu colecionava paraísos. Era a primeira noite e eu já sentia que seria muito difícil ir embora daquele lugar. Mas meu tempo era curto e sabia que tinha que aproveitar tudo ao máximo, então passava o dia inteiro meditando nas praias, até certa hora, quando decidia comprar uma dose de qualquer coisa e decretar o começo da noite. Funcionava muito bem. Na hospedaria havia festas intermináveis, onde todos se juntavam para ouvir um jazz e para compartilhar histórias do mundo, era um intercâmbio de conhecimentos profanos. E sentia que a cada dia que passava eu me re-conhecia também; a arte da fuga não era tão ruim assim.

Uma História de Goya.

Quando eu parava para pensar no tempo, eu me lembrava da velha imagem de Chronos devorando seu próprio filho; tempo como criador, tempo como aniquilador, tempo subjetivo, tempo arte. Eu passava por uma fase da minha vida onde precisava reavaliavar conceitos, pois havia deixado a auto-estima de lado. Era tempo de perdas e ganhos. O meu circulo social antes tão sólido, ia caindo em ruínas, haviam os pedaços que poderiam ser colados de volta, mas a maioria estava desperdiçado. Desperdício de tempo. Eu sempre senti que precisava de coisas mais reais do que elas realmente eram, os personagens do conto de fadas se rebelavam, enfim. Nem tudo era tão bonito quanto nas histórias, por trás de toda máscara ainda havia a persona. E por trás dessa persona eu buscava o caráter, e nem sempre o achei. Tempo de perdas, era fácil abrir mão desses. Era como o desapego segundo o budismo; desapegar de um para que se possa abrir possibilidades para um outro. A perda para o ganho. E assim o fui fazendo, aos poucos, de consciência limpa. Era tempo de comprar uma tinta branca e cobrir toda aquela parede que colecionava nomes, até mesmo aqueles que não queriam apagar. Os que eu quisesse guardar, estariam comigo em qualquer tempo e não somente em uma coleção. O tempo não é reciproco, é o mais temido de todos predadores, inverso edipiano.