quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Metarmofose

A hermenêutica é algo que sempre me encantou, é tão poética nossa particularidade de sentidos e interpretações que muitas vezes excedemos nossas próprias expectativas ou percepções ao outro, e seguramente vamos nos frustar frente à constatação de que fulano não sente ou se mobiliza como eu. Por isso gosto de olhar as pessoas como poesia, como inspiração, como estranhas a mim. Estranheza poética, o que é estranho é diferente, e o que é diferente causa curiosidade. Gosto de romantizar o caos, mas confesso que tem alguns que fogem à minha capacidade de poeta da sarjeta. Tem outros que se poetizam por si, como a história de uma garota que conhecia há tempos e sempre tive uma queda por ela, mas ela nunca me deu muita bola, então eu me contentava apenas em contemplá-la em sua poesia. Ela tinha o corpo coberto por tatuagens que rimavam com ela, uma em especial, me chamava atenção por ter a forma de um labirinto, que também tinha forma de uma borboleta e  que também tinha a forma da panturrilha dela. Não era o labirinto de Joyce, era algo menos complexo, risonho, simples. Eu pegava a caneta e me abaixava para desenhar caminhos de uma ponta a outra, e mesmo sempre achando a saída de primeira, eu prolongava caminhos mais longos quando na verdade só queria me perder ali e continuar desenhando por todo seu corpo. Ela era uma mulher baixinha, magrinha e careca, andava pelas ruas enrolando seu cigarro de maconha e dançando músicas do gueto, poderia bem ser uma personagem de qualquer livro de Kerouac. Pois veja bem como é a hermenêutica, eu a via como poesia e ela me via como caos.  

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Inconstans.antis

Que eu tenho uma queda pela loucura, já não é novidade para mim ou qualquer pessoa que me conheça, o grande problema é quando a loucura tem uma queda por você. Estive dedicando um tempo para meditações e tentando cuidar de mim, tentando evitar contato com tudo que me fazia distanciar de mim: amores, drogas e pensar demais. Não entrei em celibato ou algo do tipo, só andava evitando tudo que durasse mais do que doze horas. Também não fiquei careta, mas mantinha minha sintonia apenas com o álcool, e ainda sim, em doses homeopáticas. A partir daqui, o enredo da história parece se repetir: conheci uma menina em uma dessas noites, não mais tão loucas, e o que tinha prazo de validade de doze horas acabou se estendendo. Ela era linda, interessante, inteligente, eu até diria que ficaria bem na minha cama por dias sem prazo, quiçá na minha vida. Mas ela era também a definição de inconstância, consigo imaginar seu nome nesta mesma descrição do dicionário.  Ela me queria ás vezes, quase nunca, mas sempre deixava um pergaminho de esperança em frente minha porta. Eu o abria, lia, dizia para mim mesma que não a queria mais, mas ao cair da noite lá estava eu batendo em sua porta e ouvindo desculpas, que jamais antes havia escutado, e olha que eu era mestre em desculpas para fugir de relações. Eu virava as costas, virava a dose de whisky, virava a noite em outras cenas, mas quando chegava em casa, lá estava o pergaminho em minha porta e como se o dia passado fosse um borrão, meu coração disparava e eu dizia "hoje não". 

Resiliência.

Há muito que eu não pego este velho caderno e rascunho palavras sobre alguma coisa qualquer. Minha alma adoeceu e já não sentia e nem tinha sentido. Achei este caderno esses dias, debaixo de uma pilha de angustias e ansiedades e sem que percebesse, me vi fazendo uma faxina a fim de achar tudo aquilo que estava perdido ou desaparecido naquela bagunça física e psíquica. A minha própria casa estava um caos, não tinha nada em seu lugar, e quando digo isso, é porque não estavam nem onde costumavam a ficar na bagunça com que eu estava acostumada, era a bagunça da minha bagunça. Hora nenhuma me acamei ou percebi tudo isso acontecendo, quando dei por mim, estava alí buscando coisas que já não existiam mais. Não sei como cheguei a isso, mas lá estava eu rodeada de guimbas, garrafas vazias e minha mais nova fonte de prazer momentâneo; os remédios tarja preta. Eram muitos, de tudo, e acabavam rápido. Ás vezes os estava fumando, os estava bebendo, confundindo cigarro com amitriptilina, whisky com rivotril. Fazia bem, não, fazia dormir, não, fazia não sentir. Mas aqui estou eu, sentada no sofá remendado da sala, fumando um cigarro (nicotina que não é amitriptilina) e olhando para os detalhes da sala, coisas que eu nunca havia reparado, como um quadro que uma moça havia me presenteado com detalhes do meu corpo, eu jamais havia me visto naquela pintura. E não só na pintura, mas em toda casa. Eu estou aqui, me vejo aqui.