segunda-feira, 29 de abril de 2013

Roleta.

Dizem que é sempre sul em algum lugar e mais uma vez segui em direção às montanhas andinas, carregando apenas aquilo tudo que eu queria esquecer. O tempo passava e eu ainda tinha certeza que as estradas curavam qualquer coisa, eu poderia ouvir os desesperos ficando pra trás junto à trilha de dejetos que caiam do ônibus, estrada afora. Por lá, as coisas funcionavam diferente, eles tinham algo chamado cassino e eu tinha algo chamado vício a qualquer coisa que produza alguma quantidade de endorfina, combinação perigosa, eu sabia. Mas preferia pensar que entendia bem de combinações perigosas e me sentia disposta a entrar em um jogo de sorte, onde a vantagem é sempre da casa; ironicamente, era assim que funcionaram minhas ultimas relações. Sorte no jogo, azar no amor, era como diziam. E depois daquela noite eu sentia que não precisava sentar em lugar nenhum para conhecer alguém, vai que eu me interessasse! Estava feliz em ter aquela sorte de cassino, e mais feliz ainda em torrar cada centavo ganho com bebidas de qualidade; há tempos eu não sabia o que era aquilo. Porém, tudo que é bom é consumido mais depressa, e acabei descobrindo que a sorte funcionava mais ou menos assim também, com ou sem amores. Poderia ter me engraçado com alguém, mas contradizer uma lenda urbana não era algo que tinha passado pela minha cabeça. No fim de algumas semanas lá estava eu de volta às estradas, de volta. Mas dessa vez, sem as bagagens que me pesavam, eram meu pesar. Estava, depois de muito tempo, leve (e sem um centavo no bolso). 

A moça que colecionava pessoas.

A primeira impressão que se tem de alguém é raramente a que fica. Eu a havia reconhecido em uma tarde no parque, eu lia algumas filosofias baratas enquanto ela vendia votos de amor. Entre frases de Sócrates traduzidas por Platão, tudo tornou-se platônico. As trocas de olhares já eram familiares e eu não sabia muito bem me esquivar do charme de bons vendedores, acabava comprando todas aquelas palavras bonitas. Essa não é mais uma história em que eu acabava em alguma cama qualquer; dessa vez, acabei em uma prateleira. Só para colecionadores. Ela era uma moça linda, e ela sabia bem disso, a usava muito bem para artifício de negócios. Eu realmente gostava dela, ela me cativava como poucos. Porém aquele lugar na estante não era tão confortável assim, principalmente por ter que dividir tal espaço com tantos outros que pareciam gostar de ocupar aquele tão estreito pedaço de lembrança. Eu já não gostava de dividir nem mesmo um trago de cigarro, quem diria um coração. E por vezes eu desaparecia, mas sempre voltava com os bolsos cheio de votos e  notava a crescente coleção; todos ali reunidos, sorrindo e fingindo que aquela pequena prateleira - que ficava cada vez mais apertada - era suficiente. Talvez fosse, mas não para mim; que a pouco, havia apagado todos aqueles nomes das minhas paredes, para que não pairassem em um instante que não era o deles. Pairados, parados, guardados do passado em uma vitrine que vendia o presente. Eu acabei preferindo encontrar com aquela bela moça apenas por casualidades, sem transparecer nada que poderia ser negociado.