quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Dicas de Maquiagem.

O Sol pairava sobre minha cabeça, era de fato um calor infernal. E eu andava sem saber ao certo minha direção. Foi quando dentre crianças punks e semi-adultos perdidos, me deparei com um grupo de garotas revestidas com kilos de maquiagem, de pupilas dilatas e risadas psicodélicas, pareciam terem saído de um universo paralelo, ilícito. Seus traços finos da face se escondidam atrás de pinturas cegas, sombras coloridas e batons borrados. E como em um passe de mágica, por um instante poderia esquecer-se dos defeitos, das acnes, dos olhares cativantes e principalmente da inocência. Crianças, moças ou mulheres? Pedi o isqueiro à mais calada delas, ela cativava em formas de distorsão, mas não pude reparar sua beleza verdadeira, estava acobertada pelo seus suplícios. Porém, ela havia chamado minha atenção de alguma forma, talvez fosse aquele cabelo colorido, talvez fosse aquela sedutora meia-arrastão ou talvez fosse simplismente a forma como ela me olhava. As outras três, compensando o silêncio de uma, falavam sobre tudo. Me contaram sobre gritos roucos, acordes sangrentos, guitarras solitárias e agulhas na veia. Como se estivessem me (re)apresentando ao velho punk-rock destorcido pela juventude. Coloquei o isqueiro daquela misteriosa garota maquiada no bolso, sem que ninguém percebesse, afinal era um zippo metalizado 1972, com uma bandeira da Inglaterra estampado. Era o retrato de um nacionalismo combatido e agora venerado em outras formas. Elas me deram um papel de um clube noturno alí perto, disseram que rolava de tudo, e piscaram quando disseram "tudo". Do excesso até as abstinências. Me despedi. Coloquei mais uma vez minha guitarra no ombro, e continuei a andar pelas ruas arteriais do inferno. Mais à frente, olhando o cartão mais uma vez, reparei que na parte de trás tinha um telefone, uma marca de batom e um nome(ou codinome), sorri e pensei na garota do batom borrado e das sombras instigantes. Coloquei o cartão no mesmo bolso do isqueiro. Continuei. O inferno começara a me parecer celestial.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

O que acontece em Tihuana, fica em Tihuana.

Eram 6 horas da manhã, e eu mal conseguia abrir os olhos. Porém sem ainda abri-los, me vi praticamente desmaiada sobre os assentos do vagão, abrançando com muita carência a então vazia garrafa de whisky, Jack Daniels 1969, vinda diretamente do contrabando mexicano. Ouvi um rebuliço, uma freada brusca, um sino e passos, de todos os tipos, apressados, calmos, coerentes, padronizados, marchas e até passos de bengalas . Abri os olhos, procurei meu maço vermelho, tentei levantar e meio cambaleante me dirigi à saída. Havia um homem, meio sujo, meio louco, meio calçado, e pricipalmente de meias palavras, escorado na primeira pilastra da platarforma.
Fui indagar do meu paradeiro, e sem procurar puxar algum tipo de diálogo com ele, perguntei-o diretamente aonde eu estava. Ele sorriu, me olhou de cima a baixo e disse calmamente:

-Você está no inferno, garota. Você está no inferno. - repetiu.

Se o céu é o limite, do inferno eu não devo passar, pensei comigo. Acendi o cigarro, coloquei a guitarra no ombro e começei a andar, na direção oposta a que todos iam .

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

In-cômodo.

Era precisamente Junho de 1977, época em que a brilhantina virava pó, o pó entorpecia e a juventude vivia de simbólos e rebeldia. Eu, era daquele tipinho de revolucionária comum, sem nenhum toque especial, vivia suja e perdida por esses buracos que chamavam de clubes. No auge do punk-rock, e meus 18 anos estagnados a quase um ano inteiro, sai de casa, a princípio para uma volta pelo parque. Mas o ínico da minha Lou-cura me levou para outros cantos. Com um único maço de Marlboro no bolso, uma garrafa de whisky barato na mão e a guitarra no ombro, passei do parque e fui me dirigindo em direção à estação. Na cabeça, além de entorpecentes, havia a ânsia de achar alguma coisa que meu ceticismo poderia aceitar. Peguei o trem das 22hras na estação principal daquela cidadezinha de caos, chamada Horibe. Eu não sabia ao certo para aonde aquele trem ia, só sei que ele apenas ia, e para mim era mais do que o suficiente. Em um piscar de olhos(e uns goles de whisky), o trem já seguia para o Sul, e em mais alguns piscares de olho(e mais uns goles) a minha garrafa já estava na metade. Foi quando me deparei com os olhares cruzados e desaprovados daquelas 3 pessoas que compartilhavam o pequeno cômodo do vagão comigo. A senhora do meu lado não parava de fitar minha garrafa e meu cabelo mal lavado. Ignorei. Olhei para a placa de "Proibido Fumar', ironicamente sobre a minha cabeça. Foda-se. Acendi um cigarro, e dei um demasiado gole no whisky. A mesma senhora, olhou, encarou, desaprovou, e silenciosamente se levantou, se dirigindo para outro in-cômodo do vagão. Coloquei os pés sobre o assento dela, e fiquei imaginando se ela era claustrofóbica, muda ou se ela simplismente não quis estabelecer nenhum diálogo comigo. Olhei para o casal na minha frente, que por acaso pareciam bem frustrados com a relação deles, e fiquei imaginando quanto tempo deveria ter que eles não faziam sexo. O homem me olhou, como se tivesse adivinhado meus pensamentos, respirou fundo, e surpreendentemente me pediu um trago. A mulher, surpresa, levantou-se perplexa e saiu do vagão. Tudo isso no mesmo silêncio perturbador de antes. Mas como se o marido tivesse lido os passos dela, ele encostou, deu dois tranquilos tragos, me agradeceu e foi atrás dela. Voltei aos meus demasiados goles de whisky e pensei na ironia das coisas. Eu, que havia pagado menos do que o preço da passagem convencional(pela falta de dinheiro, claro), estava alí, em um cômodo sozinha. E alí, a alguns vagões a frente, centenas de burgueses haviam pago o triplo, talvez o quádruplo para ficarem nessa mesma posição. Há há há. Otários!