segunda-feira, 31 de março de 2008

Hermenêutica Particular.

Em um dos começos de manhã, chegando em casa depois de mais uma madrugada impetuosa de trabalho, com uma sobriedade que chegava até a assustar o mais sóbrio de todos os homens, não pude deixar de notar a nossa parede esquerda da sala. Como um piscar de olhos, ela havia sido coberta por recados e lembretes, que a esse ponto parecia uma obra de arte abstrata, com todo seu sentido particular. Em cima do móvel , a caneta estereográfica preta ficava a postos, em um lugar tão acessível que até esparramada no chão era possível pegá-la, por isso as notas no rodapé da parede, desconfio. Passando os olhos, frase a frase, li, reli e traduzi nosso universo em palavras. Havia de tudo e mais um pouco naquela, antes, gélida parede ignorada. Declarações de amor de garotas que eu nem lembrava o nome, ou pior, a fisionomia. Números de telefones, marcas de batom, lista de compras, lembretes de casa, avisos de saídas e chegadas, viajens resumidas em algumas tentativas de palavras, desenhos, piadas, rabiscos que algum dia devem ter feito sentido para alguém, tudo deve ter feito sentido para alguém, algum dia. Senti as entrelinhas, li a paixão e a loucura com que tudo fora escrito. Estavam em uma ordem maluca, sem padrões de datas ou de pessoas. Padrões eram para os fracos. Em uma das datas mais recentes, reconheci a letra de Jullie em um recado bastante inusitado:

Estamos sem filtro para o café, peguei sua meia.
Mas não se precupe, ela estava limpa, eu acho.
Goles de amor e whisky,
Jullie

01/09/1977

Um comentário:

  1. eu quero que isso tudo vire um livro.
    e eu quero que o primeiro seja meu.

    gosdocê.
    uns beijos.

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